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PEC 45 e distribuição de renda

Com a reforma proposta, a tributação do consumo no Brasil se tornaria mais progressiva

Por Bernard Appy
Atualização:

O debate sobre o impacto distributivo do sistema tributário brasileiro costuma se concentrar no fato de que o Brasil tributa muito o consumo (o que é regressivo, pois os pobres consomem uma parcela maior da renda que os ricos) e pouco a renda e o patrimônio.

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A agenda de correção das distorções distributivas de nosso sistema tributário é importante – especialmente porque parcela relevante da população mais abastada do País paga pouco imposto de renda –, mas a questão do impacto distributivo do sistema tributário vai além da distribuição da arrecadação entre as várias categorias de tributos. Em particular, e este é o objeto deste artigo, é interessante avaliar como as mudanças que estão sendo propostas na tributação do consumo através da PEC 45/2019 (atualmente em discussão na Câmara dos Deputados) afetam a distribuição de renda.

No sistema atual, a tributação do consumo por faixa de renda (como porcentagem do consumo) é relativamente constante. Segundo dados compilados por Rozane Bezerra de Siqueira e outros pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, a carga tributária incidente sobre o consumo no Brasil seria, em média, de 18% do montante das despesas de consumo. Esta porcentagem seria um pouco mais baixa no primeiro decil de renda (17,5%) e no último decil (17,6%), e pouco superior a 18% nos decis intermediários.

Esse resultado reflete basicamente dois fatores cujo efeito se compensa. Por um lado, a menor tributação da cesta básica reduz a carga para as famílias mais pobres, efeito parcialmente contrarrestado pela elevada tributação da energia elétrica e dos telefones celulares, que pesam muito na cesta de consumo das famílias de menor renda. Por outro lado, o fato de que serviços são menos tributados que mercadorias acaba beneficiando as famílias de renda mais elevada, pois quanto maior a renda, maior o dispêndio com serviços como proporção do consumo.

As mudanças propostas pela PEC 45 alterariam esse quadro, tornando a tributação do consumo mais progressiva relativamente ao modelo atual. Essa seria a consequência de dois fatores. Por um lado, a adoção de uma alíquota uniforme para a tributação de bens e serviços eliminaria a vantagem tributária das famílias de maior renda, decorrente da menor tributação dos serviços, bem como beneficiaria as famílias de menor renda, pela redução do custo da energia elétrica e da telefonia.

Por outro lado, embora o modelo da PEC 45 preveja a tributação da cesta básica com base na alíquota uniforme, prevê-se também a devolução às famílias de menor renda do imposto pago sobre seu consumo com itens da cesta básica – modelo conhecido como isenção personalizada. Embora o detalhamento da isenção personalizada não conste da PEC 45 (devendo ser regulamentado por lei complementar), a ideia é devolver mensalmente para as famílias inscritas no Cadastro Único dos programas sociais um montante correspondente ao imposto incidente sobre o dispêndio médio dos 20% mais pobres da população com a cesta básica. Tal modelo beneficiaria basicamente as famílias dos três primeiros decis da distribuição de renda, ou seja, um terço da população brasileira.

Com essas duas mudanças – alíquota uniforme para bens e serviços e isenção personalizada – a tributação do consumo no Brasil se tornaria claramente mais progressiva do que a resultante do regime atual. A tributação como porcentagem do consumo das famílias do primeiro decil de renda cairia de 17,5% para cerca de 12%, enquanto a do decil de maior renda subiria de 17,6% para cerca de 18%.

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Embora o objetivo primário da PEC 45 não seja melhorar a distribuição de renda, e sim aumentar o potencial de crescimento da economia brasileira, o impacto distributivo do modelo proposto é claramente positivo. Neste cenário, as famílias mais pobres seriam duplamente beneficiadas: de um lado pelo aumento geral da renda e do poder de compra decorrentes da reforma tributária e, de outro, pelo aumento da progressividade na tributação do consumo.*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

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