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PEC que autoriza auxílio corre risco de virar instrumento para flexibilizar teto, diz Mansueto

Para o ex-secretário do Tesouro, manobras para tirar o Bolsa Família do alcance do teto podem ser vistas como "truque contábil" e ampliar a desconfiança com a sustentabilidade das contas do País

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - Desenhada como ferramenta de ajuste nas contas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza uma nova rodada do auxílio emergencial corre o risco de virar instrumento para flexibilizar o teto de gastos, alerta o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual. 

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Defensor da regra que limita o avanço das despesas à inflação, Mansueto adverte que manobras para tirar o Bolsa Família do alcance do teto podem ser vistas como "truque contábil" para elevar investimentos e ampliar a desconfiança com a sustentabilidade do País, levando o Banco Central a acelerar o passo no aumento dos juros.

Nos últimos dias, senadores têm intensificado a pressão nos bastidores para desidratar a PEC, que originalmente trazia apenas gatilhos de contenção de despesas (como congelamento de salários do funcionalismo) para auxiliar no ajuste fiscal do País. Com o recrudescimento da pandemia de covid-19, o relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), incluiu um dispositivo que dá respaldo à recriação do auxílio emergencial a vulneráveis.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual. Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Com a explosão no número de casos da doença, os parlamentares passaram a flertar cada vez mais com uma versão da PEC que contenha apenas a recriação do auxílio, sem os gatilhos de ajuste nas despesas. Além disso, surgiu a ideia de tirar os gastos com Bolsa Família, previstos em R$ 34,9 bilhões, do alcance do teto de gastos em 2021 - o que abriria espaço para outras despesas.

"Estou assustado com algumas discussões. Primeiro, se a PEC for dividida, o mercado perceber um risco maior para aprovar a parte de medidas estruturais da PEC, isso poderá se refletir em um cenário de inflação pior, e ciclo de aumento mais rápido e mais intenso da taxa de juros por parte do Banco Central", afirmou Mansueto ao Estadão/Broadcast.

"Segundo, ontem teve um boato de retirar o Bolsa Família do teto de gastos este ano, o que não me parece ser uma boa decisão", afirmou o economista. Ele lembra que os créditos extraordinários da pandemia herdados de 2020 já somam mais de R$ 30 bilhões fora do limite de despesas. Com a nova rodada do auxílio emergencial, outros R$ 30 bilhões escaparão à regra fiscal. Se prosperar a tentativa do Congresso de flexibilizar o teto para o Bolsa Família, o "extrateto" vai beirar os R$ 100 bilhões em 2021.

"Retirar o saldo do Bolsa Família do teto este ano será percebido como um truque contábil para aumentar o investimento de forma artificial em R$ 34 bilhões", alerta Mansueto. "Uma PEC que deveria aumentar a confiança do arcabouço de ajuste fiscal do país, corre o risco de ser percebida apenas como um instrumento para flexibilizar o teto dos gastos, com aumento maior da despesa e do déficit este ano sem nenhuma contrapartida de redução da despesa neste e no próximo ano", acrescenta.

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Segundo ele, se o Brasil passar a percepção de flexibilização sem nenhuma contrapartida, o risco é que a situação piore ainda mais, e o Banco Central seja forçado a elevar juros de forma muito rápida. Se isso acontecer, o serviço da dívida pode aumentar muito rápido, e o perfil da dívida brasileira pode se deteriorar, exigindo do governo um ajuste fiscal de curto prazo muito mais duro.

Mansueto ressalta que o cenário econômico "piorou muito" nos últimos 30 dias: o dólar está acima de R$ 5,70, o crescimento de 3,5% do PIB em 2021 está ameaçado e as expectativas de inflação no relatório Focus, do Banco Central, sobem há oito semanas. No BTG, o IPCA esperado para o ano passou de 3,75% no mês passado para 4,1%, e ainda está com viés de alta, na esteira do câmbio e do aumento de preços de commodities.

Segundo o ex-secretário, a PEC Emergencial seria um instrumento capaz de conciliar um novo auxilio emergencial por quatro meses e o fortalecimento do arcabouço fiscal, dando mais instrumentos de ajuste para governos estaduais, municipais e federal.

"O risco de não aprovação das reformas estruturais da PEC ou mesmo a retirada do Bolsa Família do teto para abrir espaço para mais investimento poderá trazer mais incertezas do real compromisso do governo com a agenda de ajuste fiscal e, se isso acontecer, teremos mais pressão para desvalorização do real e maior incerteza com a agenda de ajuste fiscal", diz Mansueto.

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"O melhor seria aprovar a PEC emergencial sem novas mudanças em relação à proposta apresentada ontem e avançar no que der na agenda de reformas. Este ano, sem auxilio emergencial, já se espera um déficit primário de 3% do PIB, um déficit primário maior do que o ano em que o teto dos gastos foi aprovado, em 2016, quando o déficit primário foi de 2,6% do PIB", alerta.

O ex-secretário reconheceu que o relatório de Bittar ficou aquém do ideal, pois não obriga União, Estados e municípios a fazer nenhum ajuste de curto prazo, com corte de despesas. Mesmo assim, ele avalia que aprová-la trará benefícios ao sinalizar compromisso do País com a agenda fiscal. Esse comprometimento, segundo Mansueto, é "importante para controlar o risco inflacionário e o crescimento excessivo da taxa de juros".

"A PEC emergencial do relatório do Bittar não obriga nenhum Estado ou governo federal a cortar despesa no curto prazo. No caso do governo federal, não haveria nenhum corte de despesa pelos próximos dois ou três anos, porque o gatilho estabelecido na PEC, de 95% da despesa obrigatória em relação à despesa primária total, não deve disparar pelo menos até 2023", diz.

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"Acho até que se deveria controlar mais a despesa do governo federal no próximo ano, porque, com o aumento da inflação em 12 meses até junho deste ano para perto de 7%, o teto de gasto vai crescer perto de R$ 100 bilhões, ante R$ 30 bilhões este ano", acrescenta.

A vantagem da PEC, porém, é dar instrumentos para quem está em dificuldade poder fazer o ajuste fiscal. "As contrapartidas não implicam nenhum corte imediato e obrigatório do gasto neste ou no próximo ano. Mas a PEC é muito importante porque fortalece o arcabouço fiscal tanto para os governos subnacionais quanto para o governo federal e, assim, facilita o compromisso com ajuste fiscal no médio prazo", afirma Mansueto.

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