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Pedido do governo para crédito adicional de R$ 164 bi, fora da regra de ouro, gera resistência

Ministério da Economia diz que recursos são necessários para o pagamento de despesas previdenciárias, mas relator do projeto no Congresso diz que não está convencido diante do aumento da arrecadação

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Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - O governo tenta aprovar no Congresso um crédito adicional de R$ 164 bilhões ainda neste ano para contrair empréstimos e pagar despesas correntes, medida vedada pela chamada regra de ouro. O relator do projeto no Congresso, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), reduziu o valor para R$ 28,5 bilhões e resiste a dar um parecer favorável à quantia solicitada pelo Executivo.

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O projeto estava na pauta da Comissão Mista de Orçamento (CMO) na terça-feira, 5, mas foi adiado em meio à divergência. Ao Estadão/Broadcast, o deputado relatou conversas com o Ministério da Economia e disse duvidar dos argumentos do Executivo para solicitar o valor integral. 

Procurada pela reportagem, a pasta chefiada pelo ministro Paulo Guedes argumenta que o governo não tem recursos suficientes para cumprir gastos com pessoal e de Previdência neste mês. O ministério cita a necessidade um de crédito adicional de R$ 30 bilhões para despesas com pessoal e de R$ 134 bilhões para benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Hildo Rocha já liberou R$ 28,5 bi em crédito adicional ao governo, mas resiste em dar os R$ 164 bi solicitados. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados - 6/10/2021

"Já passou o prazo prudencial, não há dotações suficientes para cobrir as citadas despesas para o mês de outubro, porém o Poder Executivo está envidando esforços para a aprovação do projeto de lei, em razão dos riscos já apontados e estudando alternativas para evitar que compromissos e obrigações não sejam honrados", diz a resposta encaminhada pela pasta.

O que é a regra de ouro

A regra de ouro, prevista na Constituição, proíbe o governo de realizar operações de crédito, como empréstimos no mercado financeiro, em um montante acima das despesas de capital, aquelas destinadas a investimentos. Na prática, o Executivo não pode se endividar para pagar gastos correntes, como salários e contas corriqueiras de manutenção. A lógica é que os empréstimos custeiem apenas investimentos e o restante seja financiado com a arrecadação habitual dos impostos.

Desde 2019, porém, a situação fiscal do governo federal tem sido insuficiente para cumprir a regra de ouro e comprometido o pagamento de despesas essenciais, como aposentadorias, pagamento de salários e benefícios sociais. Ano a ano, o Executivo tem enviado um projeto de lei ao Congresso solicitando autorização para quebrar a regra de ouro, realizar empréstimos e cumprir determinadas despesas obrigatórias.

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O valor solicitado em 2021 foi de R$ 164 bilhões. A maior parte do crédito suplementar, no total de R$ 133,9 bilhões, é para pagar benefícios urbanos e rurais do Regime Geral de Previdência Social. 

Parecer no Congresso autorizou apenas R$ 28,5 bilhões

Foi justamente na fatia sobre os benefícios pagos pela Previdência que o relator do projeto, Hildo Rocha, rejeitou a autorização no parecer apresentado na CMO. O relatório diminuiu o valor e autorizou a realização de empréstimos para bancar apenas R$ 28,5 bilhões, vinculados ao pagamento de pessoal e encargos sociais em órgãos como universidades e institutos federais.

Além disso, o relator retirou o aval para o Executivo remanejar esses gastos internamente sem autorização do Congresso ao longo do ano. A aprovação desse crédito depende do voto favorável de 257 deputados e 41 senadores, o que exige uma negociação política do Palácio do Planalto no Legislativo

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Reduzir o valor e retirar a flexibilidade de remanejamento são medidas vistas pelo governo como uma "faca no pescoço" do Executivo porque será obrigado a negociar a aprovação e dependerá do aumento de arrecadação para cumprir os gastos.

O argumento do deputado é de que o Executivo poderia usar o excesso de arrecadação verificado nos últimos meses para financiar as despesas correntes, sem necessidade de aumentar o endividamento. A arrecadação de impostos e contribuições federais somou R$ 146,463 bilhões em agosto. O resultado representa um aumento real (descontada a inflação) de 7,25% na comparação com o mesmo mês de 2020 e é recorde histórico para o mês.

"Eu não tenho problema em alterar o relatório, desde que me mostrem as informações e justifiquem. Eu só autorizo mesmo se o governo mostrar que não tem dinheiro", disse Hildo Rocha, levantando questionamentos sobre a real necessidade e a pressa do governo. "Estou vendo que não tem essa necessidade toda."

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O governo admite que é possível usar o excesso de arrecadação, mas afirma que isso não seria prudente e deixaria o Executivo sem margem para cobrir necessidades até o fim do ano. "É possível, mas o governo ficaria sem margem alguma para atender eventuais necessidades que surjam até o final do exercício e sem a possibilidade de emitir endividamento no final do exercício para fazer frente a tais necessidades, uma vez que o prazo para envio de pedido créditos suplementares ao Congresso Nacional, se esgota dia 30 de novembro de 2021", afirma o Ministério da Economia.

De acordo com o relator, o impasse deve permanecer até o esclarecimento das informações. Em mensagem enviada ao Congresso junto com o projeto de lei, o Ministério da Economia justificou que o valor visava "possibilitar o atendimento de despesas relevantes" com recursos das operações de crédito e "a devida autorização legislativa."

Projeções do Ministério da Economia

A equipe econômica calcula que o governo federal precisará quebrar a regra de ouro nos próximos anos em valores que chegam a quase R$ 204 bilhões em 2024. Dessa forma, o Executivo dependerá de aprovação do Congresso Nacional para realizar empréstimos no mercado financeiro e manter a máquina pública funcionando.

A projeção foi feita pelo Ministério da Economia na mensagem presidencial encaminhada junto com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022. A proposta deve ser votada até o fim do ano pelo Congresso.

A autorização para quebra da regra de ouro, no entanto, dependerá da aprovação de outro projeto, a ser encaminhado no próximo ano, em meio ao período eleitoral, e só será efetivada se a proposta receber o voto favorável de 257 deputados e 41 senadores.

Desde 2019, porém, a situação fiscal do governo federal tem sido insuficiente para cumprir a regra de ouro e comprometido o pagamento de despesas essenciais. Para este ano, o valor solicitado é de R$ 164 bilhões. Para 2022, a necessidade de autorização cairá para R$ 105,4 bilhões. Todo o valor foi colocado em benefícios previdenciários, o que aumenta o apelo político para aprovação do projeto futuramente.

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A quantia solicitada voltará a subir e chegará a R$ 184,8 bilhões em 2023 e a R$ 203,7 bilhões em 2024, conforme projeções do Ministério da Economia. Para justificar a necessidade de empréstimos, o Executivo afirma que a insuficiência se deve à ausência de fontes financeiras na arrecadação com tributos para financiamento das despesas orçamentárias.

O governo tem acumulado déficits primários nos últimos anos e aumentado as despesas com juros para financiamento dos órgãos federais. A projeção de quebra da regra de ouro nos próximos anos foi classificada pela mensagem presidencial como uma "margem de segurança para acomodar eventuais choques no cenário macroeconômico e permitir atuações tempestivas na gestão da dívida pública."

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