EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economia e outras histórias

Pedra no sapato

PUBLICIDADE

Por José Paulo Kupfer
Atualização:

As projeções pouco realistas do governo para a arrecadação tributária neste ano só não chamaram mais a atenção do que a ausência do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, protagonista do ajuste fiscal, na apresentação do plano de contingenciamento de despesas, prometido pela equipe econômica para cumprir a meta de acumular superávit fiscal primário de R$ 66 bilhões (1,1% do PIB) em 2015. Diante da marcha lenta esperada da economia, só com aumento muito expressivo da carga tributária seria possível obter elevação real de 5% nas receitas, como previsto no programa de reequilíbrio das contas públicas divulgado na sexta-feira. Mas isso não depende só de um ato de vontade do Palácio do Planalto.Sozinho na apresentação do programa de ajuste, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, adiantou que as projeções do governo, embora apontando retração de 1,2% do PIB em 2015, em linha com previsões dos analistas consultados pelo Boletim Focus, levavam em consideração a perspectiva de recuperação da economia a partir do segundo semestre. Esta é, de fato, a trajetória mais aceita para a evolução econômica neste ano, mas ainda persistem amplas divergências, em relação ao nível da queda nos primeiros seis meses do ano e o da reversão, na segunda metade. O IBC-Br de março, índice mensal de atividade econômica, calculado pelo Banco Central e divulgado na sexta-feira, com recuo de 0,8% no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior, não parece ser uma boa dica da variação na produção de bens e serviços que será anunciada pelo IBGE, nesta sexta-feira. Alguns analistas projetam retração de 1% ou pouco menos, para o período janeiro-março, ante resultado acumulado nos três meses anteriores. Mas a maior parte prevê recuo menor, de no máximo 0,5%, e há até os que, como os pesquisadores do respeitado Ibre-FGV, estimam estabilidade ou quase isso, no período. Mesmo com um possível resultado menos ruim do que o antes previsto para o primeiro trimestre, as projeções para o ano estão, crescentemente, apontando mais para baixo. Quando o ano começou, a mediana das expectativas era a de um recuo de 0,5%. Semana após semana, os números foram subindo e já se encontram na casa de 1,24% negativo. Não é difícil prever que a escalada rumo a uma contração maior continuará até 1,5% ou 2% de contração do PIB, em 2015.A um mês do fim do segundo trimestre, alertas têm sido emitidos por consultores independentes, na direção de uma derrubada mais forte da atividade econômica no período abril-junho. Em seu último boletim de conjuntura, produzido na segunda semana de maio, o Ibre projeta queda de 1,5% para o PIB do segundo semestre, seguido de estabilidade e retomada de 0,4%, no dois trimestres da segunda metade de 2015, compatível com retração de 1,5% no conjunto do ano. Esse resultado final - a maior queda desde 1998 - é compartilhado por outras consultorias de referência, ainda que a ele cheguem com combinações diversas de projeções para as variações trimestre a trimestre.Está claro que a trajetória recessiva da economia é uma grande pedra no sapato do ajuste fiscal. Ela constrange diretamente a receita pública e afeta o reequilíbrio fiscal ao atingir contas como as da Previdência. Um exemplo é a queda na arrecadação federal ao longo do primeiro trimestre. O recuo refletiu, em boa parte, fatos gerados ainda no fim de 2014, o que significa, confirmadas as previsões de contração mais intensa da economia, nos próximos meses, perdas maiores de receitas.Aumentar a arrecadação com ingressos extraordinários e elevação de carga tributária pode ser a saída óbvia para cumprir a meta de ajuste prometida, mas nada simples de ser executada com sucesso. Ainda mais quando o governo dá mostras cotidianas de dificuldades na articulação política para a aprovação de medidas impopulares.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.