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'Percepção global em relação ao Brasil ainda é de desconfiança', diz presidente do Morgan Stanley

Segundo o executivo, País precisa reconquistar confiança do mercado com medidas concretas em relação ao meio ambiente

Foto do author Fernanda Guimarães
Por Fernanda Guimarães
Atualização:

O Brasil poderá perder ainda mais espaço entre os investidores estrangeiros caso não coloque ritmo em sua campanha de vacinação contra a covid-19, única alternativa para levar o País a uma trajetória de crescimento econômico. E, para que os recursos estrangeiros possam, de fato, retomar o fluxo rumo ao Brasil, além da vacinação, o País precisa avançar no compromisso fiscal, proteção ao meio ambiente e início de reformas administrativas, de acordo com o presidente do banco Morgan Stanley no Brasil, Alessandro Zema

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A percepção global em relação ao Brasil ainda é de desconfiança, frisa o executivo, e o País vai ter de percorrer um bom caminho para retomar sua credibilidade e conseguir, assim, atrair investimentos. “O investidor estrangeiro está muito atento à velocidade efetiva de uma campanha de vacinação. Quanto antes avançar, mais cedo será a recuperação econômica e maior o fluxo de recursos vindo ao Brasil”, diz. 

Para comprovar que o Brasil está muito abaixo de sua possibilidade e de seu tamanho na atração de recursos estrangeiros, Zema cita que no índice global MSCI, dedicado a países emergentes, as empresas brasileiras listadas em Bolsa têm hoje uma participação que não chega a 4,5% - essa fatia já foi de 7,5%. “Só a Alibaba (e-commerce chinês) tem mais peso do que todas as ações brasileiras somadas. Se não avançarmos nessa agenda, nós continuaremos com uma posição relativa pior”, diz.

Alessandro Zema, presidente do Morgan Stanley no Brasil. Foto: Werther Santana/Estadão - 23/4/2019

Qual o efeito, para a economia, da interferência do presidente Bolsonaro na Petrobrás? 

Em um passado não muito distante, o Brasil cometeu todo tipo de erro no que diz respeito à política macroeconômica, com intervencionismo, que gerou juros altos, recessão e desemprego. Eu espero que a gente tenha aprendido a lição de que utilizar a Petrobrás como instrumento de política macroeconômica é uma má ideia. Naquela época, que não traz saudade nenhuma, a Petrobrás conseguiu um feito incrível de inverter a lógica de mercado e ser a única petroleira no mundo que perdia dinheiro toda vez que acontecia um aumento do preço do petróleo. E, desde o governo Temer, a Petrobrás passou por diversas mudanças que tornaram a empresa mais competitiva, mas ágil, mais dinâmica, menos endividada, focada em seu core business e com uma blindagem maior contra eventuais arroubos intervencionistas. Eu espero que a nova gestão (o general da reserva Joaquim Silva e Luna deve assumir a empresa no lugar do atual presidente, Roberto Castello Branco) reforce a intenção de dar continuidade a essa trajetória de desalavancagem da empresa, de continuação do programa de desinvestimentos, com foco na maior eficiência e na governança.

Se essa for a mensagem da nova gestão, será suficiente para mitigar os efeitos da turbulência provocada no mercado?

Sem dúvida nenhuma. A nova gestão tem de reforçar esse compromisso com essa estratégia que foi delineada há alguns anos e seguida pelas gestões desde o governo Temer. Isso vai ajudar muito a mitigar os efeitos das declarações do governo em torno da Petrobrás.

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E como os estrangeiros estão analisando o Brasil neste momento?

Se eu puder resumir, são quatro grandes preocupações com relação ao Brasil. A primeira, a situação fiscal e a possibilidade de se retroceder em avanços importantes, como o teto de gastos. Nós precisamos retomar a trajetória de controle dos gastos públicos. O segundo aspecto é o ritmo da campanha de vacinação - isso vai determinar o ritmo da velocidade da recuperação da economia. Sem uma campanha de vacinação efetiva, vai ser muito mais demorado para a economia voltar ao normal. O setor de serviços no Brasil foi o mais atingido na pandemia e representa cerca de 60% do PIB. Sem uma campanha eficiente, não há recuperação rápida dos setores de serviços, e isso acaba gerando impacto no emprego, na renda e no PIB. O terceiro aspecto que eu escuto muito é em relação às reformas. Precisamos urgentemente retomar a agenda de reformas para remover os entraves e permitir o crescimento sustentável. Chega de alguma forma a ser desalentador pensar que, como sociedade, ainda não temos consenso sobre temas que já deveriam ter deixado de ser controversos há muito tempo, como reforma administrativa, tributária e privatizações. Por fim, a quarta grande preocupação é sustentabilidade e meio ambiente. A criação do Conselho da Amazônia foi um passo importante, mas a percepção global em relação ao Brasil ainda é de desconfiança, e isso tem gerado uma visão de que o País enfraqueceu a fiscalização. Nós precisamos reconquistar essa confiança do mercado com medidas concretas para mudar essa percepção e essa narrativa.

Grandes fundos globais têm se manifestado há mais de um ano pela preservação da Amazônia. Eles perceberam algum avanço nessa política?

Nos últimos meses se consolidou um movimento dos grandes fundos de investimento de não comprarem ativos de empresas que não tenham práticas fortes ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês). Esses fundos representam US$ 45 trilhões sob gestão. Se a gente não tomar medidas mais concretas para mudar essa percepção, cada vez mais estaremos afetando nossa capacidade de atrair investimento.

 

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Especificamente sobre a vacinação, qual o nível de atenção dos investidores?

Eles estão muito atentos a isso. Acho que a gente precisa de mais diplomacia e entendimento para resolver essa crise sanitária. O investidor está muito atento ao ritmo e velocidade da campanha de vacinação contra a covid-19. Quanto mais cedo conseguirmos avançar, mais cedo veremos uma recuperação da economia e, por consequência, mais cedo veremos um maior fluxo vindo ao Brasil. Quanto mais a gente demora para ter uma campanha de vacinação efetiva e para uma recuperação da economia, mais inclinado a gente fica para gastar mais, e o governo já está com uma situação fiscal extremamente delicada. Quanto mais demorarmos nesse processo, mais esforço fiscal será necessário e pior ainda ficam as finanças públicas. Uma retomada mais rápida faz uma enorme diferença para a reorganização da economia.

 

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E o efeito fiscal da segunda rodada do auxílio emergencial?

Antes de mais nada, o auxílio emergencial foi sem dúvida super importante para mitigar uma desaceleraçãomaior da economia, e acho que o governo foi contundente na celeridade da distribuição desse auxílio. Mas o fato é que esse gasto extraordinário levou a relação dívida/PIB para próximo de 100%, que é um patamar bem mais alto que o dos outros países emergentes. E a gente já vinha de uma situação frágil. A grande preocupação é que nós continuemos a gastar mais. Vejo o segundo auxílio emergencial como necessário para mitigar os efeitos da crise, mas é importante que ele venha acompanhado de contrapartidas.

 

Como o investidor estrangeiro está vendo o Brasil hoje, comparado a outros países emergentes? 

O Brasil tem perdido peso nos principais índices relacionados aos mercados emergentes. Se você olhar o principal índice para emergentes, que é o MSCI, o Brasil chegou a representar 7,5% e hoje está com menos de 4,5%. Só a empresa Alibaba tem mais peso nos índices dos mercados emergentes do que todas as empresas brasileiras somadas. Se a gente não avançar em todas as agendas que acabamos de discutir, reformas, a situação fiscal, programação de vacinação efetiva e sustentabilidade, nós continuaremos a ver nossa posição relativa piorar comparada a outros mercados emergentes.

 

Mas o Brasil tem recebido recursos...

O Brasil tem se beneficiado de um movimento de rotação dos mercados emergentes, com o dinheiro indo a setores mais sensíveis à retomada da economia. A composição do Ibovespa tem aproximadamente 60% de setores cíclicos. O juro baixo tem impulsionado essa procura por rendimento ao redor do mundo e o Brasil tem se beneficiado. Isso fez com que o ano começasse muito forte em mercado de capitais, por conta dessa enorme liquidez no mercado.

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E quais suas expectativas para o mercado de capitais brasileiro neste ano?

Só neste ano tivemos 15 IPOs (ofertas iniciais de ações, sendo duas dessas operações feitas nos EUA), sendo que no ano passado inteiro tivemos 28. E a nossa estimativa de volume para o ano está entre R$ 180 bilhões e R$ 200 bilhões. E devemos ter um volume bem maior este ano, beneficiado pelo excesso de liquidez global.

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