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Repórter especial de economia em Brasília

Perda de arrecadação com IR vai abastecer grupos já privilegiados

Unidos no rolo compressor, deputados carimbaram um projeto ruim e com distorções que aumentam a regressividade do sistema tributário

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

Na véspera das manifestações do Sete de Setembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, impôs a votação da reforma do Imposto de Renda na marra e acelerou a apresentação do parecer da reforma administrativa na tentativa de mostrar que está tudo tranquilo como dantes no quartel em Abrantes, enquanto o presidente Jair Bolsonaro subia o tom dos ataques ao Supremo Tribunal Federal.

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Lira conseguiu votar o seu projeto de reforma tributária, com apoio dos partidos de esquerda, mas não ganhou. Nem ele, nem o Centrão governista e, muito menos, os partidos de oposição que fizeram um acordão para aprovar o projeto numa votação marcada pelo atropelo e por negociações no escuro.

Unidos no rolo compressor, carimbaram um projeto ruim e com distorções que aumentam, sim, a regressividade do sistema tributário. O momento, pós-pandemia que acentuou a miséria, exigia uma reforma da tributação decente com uma mudança no sistema na direção de maior progressividade. Os mais pobres deste País não ganharam com o texto aprovado.

Com acordos e apoio dos partidos de esquerda, Lira conseguiu votar o seu projeto de reforma tributária. Foto: Michel Jesus/Agência Câmara - 2/9/2021

No dia da votação, foi bizarro assistir a expoentes da esquerda, no plenário da Câmara, fazendo discursos elogiosos (muitos acima do tom) ao relator, deputado Celso Sabino, e ao caráter distributivo de renda atribuído ao projeto. Foi uma sequência de falas do tipo “vamos tributar os mais ricos e ajudar os mais pobres”. Sabino se empolgou com os elogios e afagos: disse que a reforma iria beneficiar empregadas domésticas e professores.

“Esta Câmara está blindada às interferências políticas, aos protestos, às manifestações, à fala de A ou ao pronunciamento de B. Não querem proteger quem recebe R$ 50 milhões de dividendos, querem proteger a dona Maria, que tem um salário de R$ 2 mil, querem proteger o seu João, que tem uma padaria e uma renda de R$ 100 mil, de R$ 200 mil, de R$ 300 mil por ano”, bradou o relator.

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Um verdadeiro festival de platitudes que não justifica o pouco cuidado dos deputados ao não procurarem os especialistas, inclusive, na própria esquerda. Não são um ou dois gatos pingados. São muitos e experientes estudiosos que apontaram os erros dos projetos nos últimos dois meses cada vez que o relator abria mais uma concessão. Uma delas é dar isenção a lucros e dividendos de profissionais que ganham mais de R$ 300 mil por mês.

Na votação final, além das isenções mantidas, Sabino recuou no corte de renúncias e favoreceu mudanças para fundos dos super-ricos, entre outras benesses. Quem pode ganhou mais. A perda de arrecadação vai abastecer grupos já privilegiados na contramão do que deveria ser feito. Não faz nem cócegas no que é preciso fazer.

Os partidos de oposição preferiram vender o discurso de que era o primeiro passo para a volta da tributação de lucros e dividendos (bandeira da esquerda, dizem), de que a tabela do IRPF seria corrigida e, por último, mostrar que eles conseguiram, no acordo com Lira e Sabino, acabar com a restrição ao uso da declaração simplificada que o projeto inicial previa. Aceitaram, na moita, até a redução de 20% para 15% da alíquota de dividendos.

Uma das preocupações da oposição foi dizer que o projeto era da Câmara, e não do governo Bolsonaro, do ministro da Economia, Paulo Guedes. Medo de perderem essa bandeira. Mas dizer que a manutenção do desconto simplificado é um ganho, e aceitar isso como moeda de troca é de lascar. Historicamente, nem a defesa da tributação de lucros e dividendos era uma unanimidade na esquerda.

No final de 2015, quando a proposta foi colocada na mesa do governo Dilma Rousseff, teve ministro palaciano que achava que esse era assunto ultraesquerdista. O discurso sempre foi: a direita só pensa na simplificação da tributação de bens e serviços, o mais importante é a tributação de renda e patrimônio. O irônico é que não fizeram quando estavam no governo. E, agora, querem ser pais da proposta. No final das contas, a tributação de dividendos ficará mais para inglês ver.

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Grave mesmo foi os deputados terem aceito a votação no escuro, sem que a sociedade tivesse conhecimento do que foi votado. Prática condenada tantas vezes. Votaram um projeto secreto. Tem caroço nesse angu das negociações. Daqui a pouco eles aparecem na panela.

*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

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