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Perigo em Wall Street

Por Frank Partnoy
Atualização:

Na quarta-feira, a administração de Barack Obama desfechou um tiro no arco de lobistas - e seus amigos no Congresso - que vêm tentando evitar a regulamentação dos derivativos, instrumentos financeiros que estão no centro da crise atual. Numa carta, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, sugeriu como novas leis poderiam ajudar as autoridades reguladoras a supervisionar esse mercado paralelo de US$ 600 trilhões. Durante quase duas décadas, os derivativos estiveram no centro de cada grande calamidade financeira - da quebra do Condado de Orange, na Califórnia, à da Long-Term Capital Management, da Enron, até o recente colapso das hipotecas subprime. No entanto, eles foram se tornando objeto de uma regulamentação cada vez menor. Seguindo a posição de Alan Greenspan, então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), os dois partidos políticos concordaram com Wall Street, nos anos 1990, que os derivativos deviam continuar sem fiscalização. Por que os derivativos são tão problemáticos? Embora tenham propósitos úteis, em particular na proteção contra riscos - como quando uma companhia aérea aposta em aumentos nos preços dos combustíveis de aviação - eles são frequentemente usados para evitar as regras de transparência aplicadas a outras transações financeiras. A seguradora AIG possuía dezenas de bilhões de dólares de derivativos lastreados em hipotecas subprime, mas não contou isso a seus investidores ou parceiros. Citigroup, Lehman Brothers e outros bancos usaram derivativos para ocultar apostas de trilhões de dólares. Mesmo agora, numerosas instituições estão usando derivativos para contornar restrições de investimento ou obter alavancagem sem garantia. A história é antiga. Durante os anos 1920, técnicas complicadas ajudaram empresas a tirarem operações de risco de seus balanços ou as deslocarem para subsidiárias em paraísos fiscais. Reagindo à queda de Ivar Kreuger, o financista que foi pioneiro nessas inovações, o Congresso adotou as leis sobre títulos mobiliários dos anos 1930, designadas para tapar duas lacunas regulatórias fundamentais ao requerer mais transparência e proteção dos investidores contra fraudes. A proposta de Geithner tem o mesmo duplo objetivo: melhorar a transparência e policiar e transações inadequadas com derivativos. Essas reformas são muito necessárias. Os bancos talvez não tivessem assumido tanto risco com hipotecas subprime se fossem obrigados a expô-lo. Eles não teriam repassado produtos inadequados a fundos de pensão e municipalidades se fossem mais claramente sujeitos a obrigações. Mas existe uma fraqueza potencial na proposta do Tesouro, que reabre um buraco perigoso. Geithner sugeriu que os derivativos deveriam ser divididos em instrumentos padronizados que seriam negociados em bolsas reguladas, e contratos negociados privadamente, negócios customizados (chamados, com frequência, de "swaps") que são feitos entre duas organizações financeiras e não seriam publicamente negociados ou regulamentados. Essas transações seria reportadas privadamente a um "depósito de transações", que aparentemente só disponibilizaria uma quantidade limitada de dados ao público. Essa proposta de Geithner também traz ecos da história, mas de uma maneira mais perigosa. Em 1989, a Commodity Futures Trading Commission, a agência federal que controla negócios com futuros de commodities então chefiada por Wendy Gramm, economista e esposa do senador Phil Gramm, republicano do Texas, emitiu uma dispositivo de política econômica dividindo os derivativos nessas mesmas duas categorias. Derivativos padronizados seriam negociados em bolsas, mas os contratos individualmente negociados não. Quatro anos depois, Gramm assinou uma ordem oficializando sua política, espécie de presente de despedida à indústria de derivativos antes de deixar o serviço público e assumir um posto no conselho da Enron. A exceção engoliu a regra à medida que os reguladores consideravam mais derivativos "individualmente negociados". Em dezembro de 2000, o senador Gramm liderou um esforço de lobby para consolidar as iniciativas da esposa. Compensou: um dos últimos atos oficiais do presidente Clinton foi sancionar a lei que desregulava derivativos em grande escala. A principal organização lobista pelos derivativos, a International Swaps and Derivatives Association, já está pensando em explorar a proposta do Tesouro para dividir os mercados de derivativos em dois. Como parte de sua campanha lobista para proteger os instrumentos negociados, ela insiste em que, no ano passado, "os negócios com derivativos - e, em particular, os negócios de credit default swaps (tipo de negociação com risco de inadimplência em empréstimos) - funcionaram muito bem durante condições de mercado extremamente difíceis". O Congresso não deve se deixar enganar novamente por essa conversa. A crise atual é prova de que, embora a maioria das pessoas não negocie com derivativos, todas estão sujeitas a seus riscos. Todos os derivativos, negociados em bolsa ou privados, precisam ser transparentes. Se as instituições quiserem negociar contratos de derivativos individuais, deveriam informar aos investidores os detalhes da exposição. Durante décadas, os mercados financeiros americanos atraíam capitais porque os investidores acreditavam que estavam obtendo a informação de que precisavam. Essa fé foi abalada. Para restaurá-la, o Congresso deveria aprovar todas as propostas de Geithner, exceto uma: ele não deveria permitir que nenhum derivativo privado cresça no escuro. Se não, a exceção de hoje se tornará a regra de amanhã. * Frank Partnoy é professor de Direito na Universidade de Sam Diego e autor de "The Match King: Ivar Kreuger, the Financial Genius Behind a Century of Wall Street Scandals."

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