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Pesquisadores e cientistas afirmam que PL do licenciamento tem regras inconstitucionais

Nota técnica assinada por importantes nomes da comunidade científica diz que projeto relatado por Kim Kataguiri (DEM-SP) tem falhas graves, que poderão resultar em uma enxurrada de processo judiciais

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Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – O texto mais recente do projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, proposta que a Câmara quer colocar em votação pelo plenário ainda neste mês, está repleto de falhas graves e mudanças inconstitucionais que poderão resultar em uma enxurrada de processos judiciais. A avaliação consta em uma nota técnica assinada pelos principais nomes da comunidade científica ligada à Associação Brasileira de Avaliação de Impacto (ABAI).

Kataguirijá defendeu a proposta em encontros com a Frente Parlamentar Agropecuária e o Ministério de Infraestrutura. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Os especialistas reconhecem alguns avanços incluídos no projeto relatado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), mas apontam diversas fragilidades, como a exclusão, no processo de licenciamento, dos impactos ambientais indiretos que possam ser causados por empreendimentos de infraestrutura. Isso significa que municípios que estejam no entorno da construção de uma hidrelétrica, por exemplo, mas que não tenham suas áreas atingidas diretamente por seu reservatório de água – embora absorvam todos os impactos da obra e da usina –, não teriam nenhum tipo de compensação ambiental.

“Se mantidos apenas os impactos diretos na definição de área de influência, teríamos a inusitada situação na qual impactos indiretos não seriam, legalmente, impactos, situação não apenas esdrúxula, mas altamente frágil juridicamente, por não ter fundamentação técnica”, declaram os pesquisadores.

Entre os três pesquisadores que assinam o documento está o doutor Luis Sánchez, professor titular da Escola Politécnica da Universidade São Paulo (USP), conhecido como um dos maiores especialistas do País na área de licenciamento. “Temos a possibilidade de ter avanços, ou diversos retrocessos. Muitos artigos da lei, da como forma como estão, serão questionados judicialmente, por causa de interpretações que oferecem. Em vez de acelerar os processos de licenciamento, pode ter justamente um efeito contrário”, disse ao Estado.

A dispensa de licenciamento é outro ponto crítico que precisa ser revisado, dizem os especialistas. “Não é apenas o que está escrito no PL que preocupa. O que 'não está escrito' também é preocupante”, relatam. Apesar de o relator Kim Kataguiri afirmar que, entre obras rodoviárias, o licenciamento deixaria de ser exigido apenas para a “manutenção, melhoria e modernização" de estradas já existentes, os especialistas deixam claro que, tal como está, o texto “contém diversas válvulas de escape da obrigatoriedade”.

Na avaliação dos especialistas, a proposta “exclui tacitamente não apenas da exigência de estudo de impacto ambiental, mas do próprio licenciamento, atividades de alto potencial de degradação ambiental, como a duplicação de uma rodovia ou o asfaltamento de uma rodovia já existente, mesmo que em precárias condições”.

Impacto sobre terras indígenas

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Mauricio Guetta, responsável pelo programa de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA), chama a atenção ainda para terras indígenas e quilombolas que também deixariam de ser consideradas nos processo de licenciamento, apesar de estarem em pleno processo de demarcação, mas sem ter chegado à etapa final, da portaria declaratória pelo governo. Pelo texto, só devem ser consideradas aquelas terras que tiveram seus processos já concluídos, deixando de fora os demais.

Atualmente, há 120 processos de demarcação em fase de identificação pela Funai e 43 com relatório de estudo já aprovado pela presidência da fundação. “São, portanto, 163 terras indígenas que seriam sumariamente excluídas de licenciamentos ambientais, o correspondente a 22% do total de terras indígenas do País”, diz Guetta. Quanto ao remanescente de territórios quilombolas, os dados do Incra apontam que hoje 1.755 processos de reconhecimento em andamento, contra apenas 241 terras já tituladas. Na prática, 87% do total seria excluído do licenciamento, pela atual versão do texto.

“O resultado será a ampliação da judicialização e a imposição de obrigações ao empreendedor não previstas originalmente, com a possibilidade de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade”, afirma o especialista.

A atual versão do projeto também isenta do licenciamento as unidades de conservação de categorias de “uso sustentável”, ou seja, aquelas que não possuem proteção integral e permitem algum tipo de exploração. Na avaliação de Mauricio Guetta, do ISA, “são abissais os impactos do atual texto-base sobre as unidades”.

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Dados do Monitoramento do ISA apontam que, das 336 florestas com proteção federal, 151 são de proteção integral e 185 de uso sustentável. No âmbito estadual, há 760 unidades de conservação, sendo 402 de proteção integral e 358 de uso sustentável. “Com isso, seriam desconsideradas, para fins de licenciamento ambiental, 523 unidades de conservação de uso sustentável”, alerta.

Procurado pela reportagem, Kim Kataguiri não se manifestou até a publicação deste texto. O relator tem afirmado que busca um texto mais equilibrado possível, que respeite o meio ambiente sem travar o desenvolvimento. O deputado já defendeu sua proposta em encontros com a Frente Parlamentar Agropecuária e o Ministério da Infraestrutura, além de contar com o apoio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

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