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Petrobrás se contradiz ao justificar que lançou maquinários no mar 'antes de legislação ambiental'

Explicação da estatal desmente o que a própria empresa declarou em parecer técnico para detalhar como se deu a utilização das seis áreas de depósito de equipamentos usadas na Bacia de Campos e mencionadas pela reportagem

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A Petrobrás afirmou que não teria cometido irregularidades ambientais no lançamento de milhares de maquinários de exploração de petróleo no fundo do mar, na Bacia de Campos, sob a justificativa de que teria iniciado o despejo dos materiais em seus “almoxarifados submarinos” na década de 1970, quando não havia leis sobre licenciamento ambiental para exploração de petróleo em alto mar. Essa afirmação, no entanto, contradiz o que a própria Petrobrás já declarou em parecer técnico e ata de reunião realizada com o Ibama, responsável pelo licenciamento. 

Petrobrás Foto: Sérgio Moraes/Reuters

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“A Petrobras iniciou as atividades na Bacia de Campos em 1977 com o uso de áreas submarinas como apoio logístico, antes de haver legislação regulamentando o licenciamento ambiental para exploração e produção offshore”, declarou a petroleira na noite de domingo, 02, após a publicação de reportagem pelo Estadão sobre o tema que a empresa se negou a responder durante a semana passada, quando foi questionada sobre o assunto.

Essa explicação da Petrobrás, no entanto, desmente o que a própria empresa declarou em parecer técnico para detalhar como se deu a utilização das seis áreas de depósito de equipamentos usadas na Bacia de Campos e mencionadas pela reportagem. Neste documento ao qual o Estadão teve acesso, a Petrobrás afirma que o início de utilização de cada uma das seis áreas se deu da seguinte forma: Corvina em 1991, Pargo A e Pargo B em 1992, Garoupinha em 1998, Alsub em 1999 e Altemp em 2003. Todas elas, portanto, passaram a ser usadas bem depois da década de 1970, como afirma a empresa.

Além disso, é fato que a lei que regulamenta o licenciamento ambiental para exploração e produção offshore foi criada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) em 1986, ou seja, muitos anos antes de a utilização de todas as áreas transformadas em “almoxarifado submarino”, como a própria Petrobrás apelidou as regiões.

Como afirma o Ibama em parecer técnico, “as áreas denominadas como ‘almoxarifados submarinos’ vêm sendo utilizadas pela Petrobras desde 1991 para o armazenamento de equipamentos (ex.: linhas flexíveis, umbilicais, sistemas de ancoragem) sem o devido licenciamento ambiental”. 

O órgão ambiental federal destaca ainda que, no início de utilização da área Altemp, em 2003, foi assinado um termo de ajuste de conduta para a regularização do licenciamento ambiental das atividades marítimas de produção e escoamento de petróleo e gás natural através de unidades em operação não licenciadas ou com licença ambiental não renovada, localizadas na Bacia de Campos, bem como a apresentação de medidas corretivas e preventivas para instalações remanescentes das unidades desativadas que constituem passivo ambiental nesta bacia sedimentar. Além das plataformas, foram abrangidas no TAC as unidades de apoio, instalações submarinas, sistemas de coleta e escoamento da produção e dutos de interligação.

Em sua nota enviada à reportagem, a Petrobrás também afirma que “essas áreas de apoio logístico foram utilizadas para armazenamento temporário de sistemas de ancoragem de plataformas e linhas flexíveis”. Ocorre que a própria Petrobrás também informou que, em todas as áreas, foram deixados equipamentos. Há informações detalhadas, inclusive, sobre a quantidade de material abandonado em cada uma das seis áreas. A partir dessas informações é que o Ibama concluiu que, atualmente, há “cerca de 1.640 equipamentos com uma extensão da mais de 1.400 km, dos quais, aproximadamente, a metade não tem previsão de uso”.

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A Petrobrás menciona ainda que, desde 2016, quando o lançamento das parafernálias foi suspenso por determinação do Ibama, a companhia negocia com intermédio do Ministério Público Federal (MPF), “tratativas para celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com objetivo de definir as ações para o tratamento do material depositado”. A empresa declara que “irá cumprir todos os compromissos e prazos que forem estabelecidos no TAC”.

O processo que trata do assunto foi classificado como sigiloso, a pedido da petroleira. Os documentos obtidos pela reportagem mostram que, ao justificar a escolha dos locais para armazenar equipamentos, a Petrobrás declarou que “estas áreas foram definidas com o objetivo de simplificar a logística das operações, aliado à indisponibilidade de espaço em terra” de um local que garantisse “a manutenção da integridade dos equipamentos e linhas” e “a posição logística favorável”.

Em parecer de setembro do ano passado, o Ibama é categórico em sua conclusão: “o armazenamento de equipamentos nas áreas foi feito pela empresa de forma irregular, sem o devido licenciamento ambiental”.

Como revelou a reportagem publicada no domingo, 2, as seis regiões usadas pela Petrobrás como ferro velho de plataformas somam 460 quilômetros quadrados. É como se uma capital como Florianópolis (SP) ou Porto Alegre (RS) fosse transformada em um depósito marinho, sem nenhum tipo de licenciamento ambiental ou análise de impacto. A Petrobrás estimou que o processo de retirada de toda essa tralha deverá custar pelo menos R$ 1,5 bilhão, além de demorar mais de cinco anos até que tudo esteja devidamente limpo. Tudo começaria em 2022. Somente em 2027 é que a área estaria livre do maquinário.

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As regiões marinhas transformadas pela Petrobrás em depósito de plataformas possuem “elevada complexidade” ambiental, conforme apontam relatórios já realizados pela área técnica do Ibama. Mais do que o lançamento de materiais no mar, a Petrobrás fez movimentação intensiva desses materiais nas áreas. Os dados indicam uma “movimentação anual média de cerca de 700 km de equipamentos”, o que equivale à instalação de nada menos que quatro sistemas de plataformas para produção, em média.

A Petrobrás chegou a apresentar uma “compensação financeira” de R$ 7,746 milhões pelos danos causados, valor equivalente a um apartamento de luxo na Rua Oscar Freire, no Jardim América, em São Paulo. Os técnicos do Ibama não analisaram a proposta, mas ponderaram que, como exemplo, um acordo realizado com a petroleira para adequar o tratamento da água produzida em 28 plataformas da empresa estabeleceu uma medida compensatória de R$ 100 milhões.

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