PIB recua 0,1% no 3º trimestre e Brasil entra em recessão técnica

Termo indica dois trimestres seguidos de retração na atividade econômica; setor de serviços avançou 1,1%, enquanto a agropecuária teve queda de 8%

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Por Daniela Amorim e Vinicius Neder
8 min de leitura

RIO - A economia brasileira seguiu estagnada na passagem do segundo para o terceiro trimestre. Mesmo com a normalização de algumas atividades, a inflação pressionada e o mercado de trabalho ainda difícil impediram um impulso mais forte da demanda, enquanto a estiagem derrubou o desempenho da agropecuária e desequilíbrios provocados pela pandemia ainda atrapalham a indústria.

O resultado foi uma ligeira queda de 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços produzidos na economia em determinado período) no terceiro trimestre ante o segundo, informou nesta quinta-feira, 2, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Após nove meses de avanços, do terceiro trimestre de 2020 ao primeiro deste ano, a economia parou a partir de abril. No segundo trimestre, o PIB caiu 0,4% ante os três primeiros meses do ano, conforme revisão anunciada também nesta quinta, pelo IBGE.

Com isso, a economia brasileira entrou em “recessão técnica”, como economistas de mercado chamam a situação em que ocorrem dois trimestres seguidos de retração no PIB.

No terceiro trimestre, a economia foi puxada - pelo lado do que é produzido - pelo setor de serviços, com avanço de 1,1% sobre o segundo trimestre. “Há uma normalização das atividades presenciais. Estamos colhendo os frutos da vacinação”, disse Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de Macroeconomia da Tendências Consultoria, lembrando que essa “normalização” das atividades aparece no mercado de trabalho, com a recuperação de postos de trabalho, especialmente nos serviços presenciais.

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Como responde por pouco mais de 70% do PIB, o setor de serviços puxa a atividade como um todo, mas, no terceiro trimestre, a indústria e, principalmente, a agropecuária seguraram o impulso, impedindo um crescimento maior.

Sob efeito de quebras de safra provocadas pela estiagem histórica no meio do ano, a agropecuária registrou queda de 8% sobre o segundo trimestre. O resultado foi o pior nessa base de comparação desde o primeiro trimestre de 2012, quando o setor recuou 19,6% sobre os três últimos meses de 2011.

Segundo o IBGE, o mau desempenho da agropecuária foi influenciado por perdas nas lavouras de café, algodão, milho e cana-de-açúcar, mas também no segmento pecuário, especialmente de criação de bovinos.

“Várias lavouras importantes do Brasil estão todas com expectativa de queda no ano”, disse Rebeca Palis, coordenadora de Contas nacionais do IBGE, lembrando que, o resultado só não foi pior ainda porque a soja, principal cultura do País, passou mais ou menos ilesa pela estiagem. A soja foi plantada antes da seca, colhida e exportada antes do terceiro trimestre deste ano, lembrou a pesquisadora.

O PIB industrial ficou estagnado, ainda afetado pelos gargalos nas cadeias globais de produção, marcados pelo travamento do transporte marítimo e pela escassez de peças e componentes.

“Essa questão das cadeias globais de fornecimento continua. É um problema superrelevante. O tempo de entrega de insumos e peças, inclusive, está acima do primeiro momento da pandemia”, afirmou Alessandra Ribeiro.

A crise hídrica também pesou sobre a indústria, que inclui a atividade de produção e distribuição de eletricidade, gás e água. Essa atividade recuou 1,1% ante o segundo trimestre, sob impacto do encarecimento da geração de energia. Segundo Rebeca Palis, a crise de energia ajudou a puxar o PIB brasileiro pra baixo nos últimos dois trimestres.

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Pela ótica da demanda, ou seja, de quem compra o que é produzido no País,o motor da economia no terceiro trimestre foi o consumo das famílias, que cresceu 0,9% sobre o trimestre imediatamente anterior. Parte desse crescimento também tem a ver com a “normalização” da economia, uma vez que os consumidores de maior renda, menos afetados pela crise causada pela covid-19, puderam voltar a consumir, com a flexibilização de restrições impostas pela pandemia. Para quem teve a renda pouco ou nada afetada pela crise, a simples reabertura de negócios como salões de beleza, cinemas, bares e restaurantes já leva, quase que automaticamente, a um aumento do consumo.

Por outro lado, para o conjunto das famílias como um todo, o consumo é mais diretamente ligado à dinâmica de emprego e renda. Embora o mercado de trabalho venha apresentando recuperação, com geração de vagas, a retomada ainda não foi suficiente para repor todos os empregos perdidos na crise. Para piorar, as vagas que estão sendo abertas têm salários menores, e a aceleração da inflação nos últimos meses corrói a renda, segurando o apetite para o consumo entre as famílias de renda menor.

Movimento em bar na cidade de São Paulo; reabertura de negócios aumentou o consumo das famílias. Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 11/7/2020

Na visão do professor Gilberto Tadeu Lima, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, o quadro é agravado pela indefinição, desde 2020, em torno dos rumos do auxílio emergencial. O benefício temporário foi reduzido no fim do ano, demorou a ter a renovação garantida em 2021, chegando a ficar suspenso nos primeiros meses deste ano, e terminou no mês passado sem que se tenha um desenho claro, com valores, para o Auxílio Brasil, novo nome do Bolsa Família, após uma reformulação.

Como o auxílio emergencial ajudou a sustentar o nível da atividade econômica, ajudando o consumo das famílias e evitando um “colapso” maior no PIB do ano passado, a indefinição em torno da continuidade, e em que moldes, dos programas federais de transferência de renda tem, agora, o efeito oposto. Em vez de impulsionar o ritmo do consumo, tira fôlego para um crescimento para além do processo de “normalização” das atividades.

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“Sem dúvidas, o auxílio emergencial jogou um papel essencial (na retomada da economia desde meados de 2020), mas a própria definição de algo tão essencial está sujeita a um processo capenga, de vaivém e indefinição”, diz Lima, criticando a falta de coordenação entre o governo federal e as demais esferas no enfrentamento da crise causada pela covid-19.

Ainda na ótica da demanda, a formação bruta de capital fixo (FBCF), conta dos investimentos no PIB, caiu 0,1% na comparação com o segundo trimestre. Frequentemente associada por economistas às perspectivas futuras para os negócios, a dinâmica de investimentos é a primeira a ser atrapalhada pelas incertezas em torno dos atritos políticos envolvendo o governo federal, sobre o tamanho dos desequilíbrios nas contas públicas e, a partir de 2022, sobre as eleições gerais. O agravamento desses pontos de incerteza reforça o quadro de estagnação.

A estagnação não impedirá um crescimento econômico expressivo neste ano, mas a perda de fôlego aponta para um desempenho bem abaixo disso em 2022. A pesquisa do Projeções Broadcast com analistas do mercado financeiro, feita antes da divulgação dos dados desta quinta-feira pelo IBGE, apontava para um crescimento de 4,8% no PIB de 2021 ante 2020, desacelerando para apenas 0,5% em 2022 ante este ano.

Economistas começaram a revisar para baixo suas projeções para o crescimento de 2022 em setembro, quando a persistência da inflação mais elevada ficou clara - para enfrentar a alta de preços, o Banco Central (BC) deverá subir mais os juros básicos da economia, medida que visa esfriar a demanda e, portanto, tirar impulso do crescimento econômico. 

O processo se aprofundou em outubro, após o governo dar sinais de que pretendia pagar parte do Auxílio Brasil com gastos que ficariam fora do “teto” (a regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas, de um ano para o outro, apenas à inflação).

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De lá para cá, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precários passou na Câmara dos Deputados e está prestes a ser aprovada no Senado Federal, com números apontando, cada vez mais, para aumento de gastos - não só com o novo Auxílio Brasil, mas também com emendas parlamentares no Orçamento. Como resultado, as cotações das ações negociadas na Bolsa vêm despencando, a taxa de câmbio disparando, assim como as taxas de juros do mercado futuro, sinalizando para juros básicos ainda mais altos e, portanto, ainda menos impulso para a economia.

“O governo deu estímulos, a economia foi (desde meados de 2020), mas, agora, diante dos desequilíbrios, com inflação e todo o risco ligado ao desequilíbrio fiscal (das contas do governo), vamos pagar a conta com menos crescimento econômico”, disse Alessandra Ribeiro, da Tendências.

E há mais chances de piora do que de melhora, na avaliação da economista. O processo eleitoral pode elevar ainda mais as cotações do dólar, levando a juros ainda mais altos e menos crescimento econômico. Além disso, a economia mundial está em desaceleração, incluindo a China, principal compradora das exportações brasileiras

O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, acrescenta aos riscos para a economia brasileira em 2022 uma possível nova onda da covid-19, por causa da variante Ômicron, e uma eventual antecipação na alta dos juros nos Estados Unidos. O aperto na política monetária americana, após o grande afrouxamento para apoiar a economia em meio à pandemia, tende a elevar juros no mundo todo e retirar recursos dos mercados emergentes, um motivo a mais para as cotações do dólar subirem. / COLABOROU GUILHERME BIANCHINI