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Plantio de soja enfrenta ‘guerra’ EUA-China

Mesmo com o aumento de produção, paira dúvida se ritmo de embarques será mantido

Por Vinicius Galera
Atualização:

Os agricultores brasileiros estão em pleno plantio de soja da safra 2019/20, mas ainda têm incertezas sobre como lidar face aos efeitos do acordo parcial entre Estados Unidos e China, anunciado em meados de outubro. Considerado um primeiro passo para pôr fim à guerra comercial entre as duas potências, o pacto deve afetar o agronegócio do País. 

Até o último dia 24, a consultoria AgRural informou que o País havia semeado 35% da área projetada para a soja, de 36,57 milhões de hectares, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Mesmo com o aumento de produção previsto para a oleaginosa, de 4,7%, para 120,4 milhões de toneladas, paira a dúvida sobre se o agronegócio brasileiro manterá o ritmo de embarques externos para o gigante asiático – que deve, com o fim do conflito comercial, passar a dividir o fornecimento com os EUA novamente.

No período de 2015 a 2017, o Brasil tinha 45% do mercado chinês, enquanto os Estados Unidos detinham 30% Foto: JOSÉ MARIA TOMAZELA/AE

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Apesar de a China ter se comprometido a adquirir mais produtos agrícolas dos Estados Unidos, na chamada Fase 1 do acordo, ainda há dúvidas sobre o volume exato, sobre quando as compras serão efetivadas e com que constância e também sobre as concessões que os EUA terão de fazer. Pequim tenta, por exemplo, fazer os americanos desistirem dos planos de impor tarifas de 15% sobre US$ 156 bilhões de bens de consumo a partir de 15 de dezembro, e pode usar as compras agrícolas como parte da negociação.

Curto prazo

A indústria de óleos vegetais brasileira acredita que, em um acordo tão amplo e envolvendo tantos setores, é natural que a produção americana seja contemplada. No curto prazo, isso diminuiria a participação brasileira, avalia. “Em um acordo de proporções tão grandes não tem como a soja ficar de fora”, disse o economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Amaral, lembrando que de 2015 a 2017 o Brasil tinha 45% do mercado chinês, enquanto os Estados Unidos detinham 30%. 

Segundo a Abiove, embora as exportações de soja para a China tenham sido menores este ano em relação ao ano passado, ainda são fundamentais na balança do setor. Conforme a entidade, dos 51,934 milhões de toneladas de soja exportados pelo Brasil nos sete primeiros meses do ano, 38,983 milhões de toneladas, ou 75%, foram destinadas à China – ante 43,917 milhões de toneladas em igual intervalo de 2018, ou 78% do total. A queda, este ano, ocorreu em função da peste suína africana, que tem assolado plantéis no país asiático e, consequentemente, reduzido a necessidade de importação da oleaginosa para alimentar os animais.

Para o representante da Abiove, o maior temor pós-acordo EUA-China é que os asiáticos não valorizem os esforços feitos pelo Brasil durante a vigência da guerra comercial para garantir o abastecimento chinês. “Esperamos que nossa produção continue sendo valorizada”, diz Amaral, lembrando que a safra dos Estados Unidos “não será tão grande e tudo indica que, no Brasil, e também na Argentina, teremos uma safra melhor em 2020”. Assim, a tendência é de que a produção sul-americana seja beneficiada. “Mas sabemos que o governo da China tem um papel central na determinação das compras.”

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Complementares

Do lado da China, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, Charles Tang, reforça que os brasileiros podem “ficar tranquilos”. “Os Estados Unidos são concorrentes da China, mas o Brasil é fornecedor. São economias complementares e desenvolvemos uma relação de confiança.”

Tang acredita que o ambiente gerado pela trégua na guerra comercial pode, no longo prazo, até trazer benefícios para o Brasil. Segundo o executivo, mesmo com as concessões feitas pelos asiáticos ao setor agrícola americano, a China continuará crescendo a taxas muito altas e deve demandar ainda mais commodities, como soja e proteína animal – também neste setor, o Brasil tem elevado substancialmente suas exportações para a China.

No curto prazo, porém, Tang ressalta que “é natural” que a China, voltando a comprar soja dos EUA, compre menos do Brasil. “No curto prazo, o Brasil vai vender menos. Mas esse acordo é parcial e não total.”

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O presidente da Câmara de Comércio lembra que, mesmo com a crise econômica, a China acreditou no Brasil, onde investiu USS 20 bilhões nos últimos anos. “A China tem interesse na política de ganha-ganha. A China ganha vendendo os produtos, com a instalação de empresas e os países ganham com desenvolvimento e prosperidade.”

Segundo o secretário adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Flávio Bettarello, uma resolução para a guerra comercial entre EUA e China já era esperada, mas o Brasil precisa ampliar a oferta de produtos e a abrangência dos destinos para diminuir a dependência do gigante asiático. “Sabemos que precisamos diversificar o destino de nossos produtos para além da China e, no caso deles, ampliar a variedade de produtos”, diz. 

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