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Pobre Argentina

A Argentina vai mal. Divide com a Venezuela a posição de pior economia da América Latina e sua situação deteriora com impressionante rapidez, comprova pesquisa da Fundação Getúlio Vargas em parceria com o instituto alemão Ifo - que juntos elaboram um índice de clima econômico na região. Em apenas quatro meses, entre janeiro e abril deste ano, esse índice na Argentina desabou de 5,2 para 3,4 pontos e a expectativa é de que haja piora diante de uma onda de desinvestimentos, com empresas desistindo de projetos ou abandonando o país. Segundo a pesquisa, os problemas que empurram a Argentina para o abismo obedecem esta ordem: falta de confiança em políticas públicas, inflação em alta, competitividade em baixa, déficit público e escassez de capital. São efeitos de uma política - que se tem mostrado fracassada em países da América Latina - de miúdas e graúdas intervenções do governo na economia, mudando regras a todo instante e criando um ambiente instável e desfavorável para decisões de investimentos. Para tocar um negócio, é preciso haver um mínimo de estabilidade de regras. Em março, a brasileira Vale desistiu de um bilionário projeto de exploração de potássio no Rio Colorado. Motivo: os desequilíbrios cambiais derivados de sucessivas intervenções do governo dobraram o custo do negócio, de US$ 5,9 bilhões, em 2009, para US$ 10,9 bilhões, no início deste ano. O governo brasileiro não gostou da decisão da Vale, mas como obrigar uma empresa privada a rasgar dinheiro? Mesmo a estatal Petrobrás tem planos para desembarcar do atoleiro argentino. "A Petrobrás argentina está no nosso portfólio de desinvestimentos", respondeu há dias a presidente Graça Foster a parlamentares que indagavam se procedia notícia publicada na imprensa portenha segundo a qual a estatal teria vendido 51% dos ativos da subsidiária argentina para a Oil Combustibles. "Estamos negociando a venda desses ativos, mas não há nada fechado", respondeu ela. Tem razão Graça Foster: a Petrobrás só conseguiu enviar ao Brasil 10% dos US$ 22 milhões que pretendia, no ano passado. Além disso, a empresa foi penalizada por longo congelamento de preços dos combustíveis aqui e seus recursos estão muito abaixo do necessário para cumprir seu programa de investimentos no Brasil. Para fazer caixa, ela partiu para um plano de desinvestimentos em que a venda de ativos na Argentina desponta na liderança. Vale e Petrobrás, no entanto, não estão sozinhas. A mineradora Los Andes, controlada pela canadense McEwen Mining, anunciou a revisão de um projeto de extração de ouro, prata e cobre avaliado em US$ 2,7 bilhões. Paradas e também à espera estão a Cerro Vanguardia e duas outras empresas de mineração: Mansfield e Siles. Já a Minera Argentina, da canadense Pan American Silver, desistiu de suas operações e subtraiu US$ 800 milhões em investimentos. Só no setor de mineração os projetos suspensos causaram uma perda estimada em US$ 15 bilhões, que deixarão de entrar na Argentina nos próximos três anos. Defasagem cambial, inflação elevada, barreiras às importações, restrições à remessa de lucros das empresas e carga tributária elevada são os problemas criados pelo governo e que têm afastado investimentos estrangeiros, imprescindíveis para um país que não tem poupança interna para tocar seu progresso. Incalculável, a perda de empregos vai à casa dos milhares e a Argentina deixa de produzir riqueza e renda para sua população. Casal populista. Desde o governo Néstor Kirchner, o problema da Argentina é de um estilo de gestão populista, em que interesses políticos imediatos subjugam a economia e prejudicam o progresso econômico no longo prazo. E, como a repetição dessa prática acaba produzindo resultados desastrosos adiante, chegou a hora de pagar a conta da inconsequência. Coube a Cristina Kirchner fazê-lo agora. Morto em outubro de 2010, Néstor Kirchner assumiu o poder em 2003, com o país no caos financeiro e uma moratória que dramatizou a pobreza. Três anos depois, ele reduziu o desemprego para 10%, saiu da moratória e acumulou reservas cambiais, mas a pobreza se manteve em 33,5% da população. Só que Kirchner enveredou pelos caminhos do populismo político de ganhar a eleição a qualquer preço. Como a inflação ameaçava a reeleição, ele decretou intervenção no Indec (o IBGE de lá), demitiu técnicos sérios que se negaram a manipular pesquisas e passou a divulgar índices de inflação desmoralizados e desacreditados dentro e fora da Argentina. Calculada por instituições sérias, em 2012 a inflação real foi de 25,6%, mas a fantasiosa do governo ficou em 10,8%. A manipulação se estendeu ao cálculo da pobreza, que o Indec afirma ter sido reduzida para 5,4% da população em 2012 e a Universidade Católica Argentina (UCA), que há anos elabora um índice paralelo, dimensionou em 26,9%. Como o índice oficial é o que prevalece nas negociações salariais, nos últimos anos as lideranças sindicais trabalhistas passaram a fazer oposição a Cristina. Mas como chegou a hora de pagar a conta e com uma eleição legislativa se aproximando, na quinta-feira ela fechou um acordo com seis sindicatos aliados para elevar em 24% os salários de 2 milhões de trabalhadores, reconhecendo, afinal, a inflação de 26,9%. Os sindicatos opositores, porém, já anunciaram que vão reivindicar 30%. Além de lideranças sindicais, Cristina vem perdendo apoio de personalidades populares no país. O caso mais recente foi o do ator Ricardo Darin, respeitado mundialmente no mundo do cinema, que rompeu com a presidente depois de questionar o rápido enriquecimento do casal Kirchner. Denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito, aliás, não faltam na Argentina. Num programa de TV, a ex-secretária de Néstor Kirchner Mirian Quiroga denunciou que bolsas cheias de dinheiro chegavam à Casa Rosada durante o governo do ex-presidente e afirmou que sua mulher e sucessora, Cristina Kirchner, sabia das operações do marido. A acusação foi parar na Justiça. Em dez anos de governo do casal Kirchner, a política degradou e a economia desandou na Argentina. Inflação alta e crescimento baixo são o que se espera para 2013. Cristina e seus aliados terão dificuldades nas próximas eleições.

Por Suely Caldas
Atualização:

* JORNALISTA E PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO. E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR.

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