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Política fiscal expansionista pode levar a aumento de juros

Por Sonia Racy
Atualização:

O ex-BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros, da Quest, acredita que o BC deve parar de reduzir a taxa de juros e apóia a decisão. E não unicamente por causa do crescimento da demanda e da pressão inflacionária. Lista também o grave crescimento dos gastos do governo. ''''O governo precisa pisar no freio do gasto e deixar que o crescimento seja feito pelo gasto do setor privado. Somando esses três canais, poderemos ter um susto de inflação'''', avisa, alertando, porém, que isto não preocupa porque acha que o BC dará a resposta correta. ''''É preciso entender que a política monetária compensa a política fiscal e, se esta continuar expansionista, poderemos ter, talvez, uma retomada da alta dos juros.'''' Para Mendonça de Barros, a reforma tributária teria que começar pela redução de gastos. Aqui vão trechos da sua entrevista dada a esta coluna: O ''''Relatório de Inflação'''' divulgado semana passada trouxe um tom conservador muito semelhante ao da última Ata do Copom, sugerindo que a redução da taxa de juros vai estancar. No entanto, ninguém esperava que o Fed reduzisse a taxa de juros em 0,50 ponto este mês. e ele assim o fez. Há possibilidade de o BC brasileiro surpreender na reunião do Copom em novembro? Não acredito, porque Brasil e EUA estão vivendo momentos distintos. Os americanos estão vendo uma desaceleração prevista, iniciada com a crise dos subprimes que se alastrou por diversos segmentos de crédito. E a inflação por lá já entrou na linha de conforto do Fed. O PCI - índice de preços do consumidor - veio em 1,8% e, no próximo mês, espera-se algo como 1,7%. No Brasil, vivemos o oposto: a economia está crescendo, a inflação dá sinais de querer subir e estamos vindo de um longo período de redução dos juros. O senhor acha que essa inflação que está aí é uma inflação de demanda? Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a inflação no Brasil mudou de qualidade, de complexidade, na medida em que fomos abrindo a economia. O Brasil real, de baixa volatilidade, que é a realidade dos últimos dois, três anos, está provocando pela primeira vez uma abertura estrutural da economia brasileira. Há mais confiança. Como assim? Hoje, por exemplo, se um produtor brasileiro percebe que tem um fornecedor chinês que está vendendo um componente de que ele precisa por um preço mais em conta do que o fornecedor nacional, mas exige contrato de cinco anos, ele pode fechar negócio. Os empresários têm segurança para celebrar contratos que têm, de um lado, a moeda local e, do outro, a moeda do país de origem, normalmente indexada ao dólar. Para mim, essa é a carta de alforria de uma economia: a passagem de economia fechada para economia aberta é dada pela volatilidade da taxa de câmbio e o Brasil só agora tem isso. E se não tivéssemos a abertura que temos hoje? Com o crescimento interno que estamos tendo, o BC já estaria subindo a Selic para 13%. A demanda interna está crescendo, o consumo das famílias está crescendo 6% ao ano e a oferta não cresce na mesma proporção. Além disso, você tem um crescimento da formação bruta de capital acima de 10% e a gente sabe que, num primeiro momento, essa demanda inflacionária ocupa poder de produção interna. O sucesso que temos com a inflação vem do aumento da oferta do lado das importações. Dê um exemplo. Os economistas sempre dizem que numa economia aberta a relação entre importação e PIB se estabiliza. Ainda não estamos nesse momento. As importações estão crescendo acima de 20% e as exportações, bem menos. Isso muda a dinâmica da inflação, porque com importação, mesmo com demanda interna maior, o produtor nacional não pode aumentar preço. Um exemplo? Os automóveis. No Brasil, está se vendendo 30% mais automóvel do que no passado e os preços não estão subindo. Por quê? Porque estão trazendo produtos de fora. Agora, isto acontece nos setores tradables. No caso dos non-tradables, como serviços, mão-de-obra, não dá para importar gente de fora em quantidade suficiente para mexer com o mercado. Quais as razões de crescimento da demanda? No Brasil, há três canais de excitação de demanda. O mais tradicional é o da família (consumidor), que está crescendo 7% ao ano, acima do nosso PIB potencial. O segundo componente é o próprio processo de investimento, que hoje está crescendo 10% ou 12%. Depois que ele se realiza e amadurece, gera maior oferta, mas enquanto está se realizando é fator de pressão sobre a demanda. O terceiro fator é o próprio governo, cujas despesas estão crescendo 9%, 10% reais. Somando esses três canais, temos um bom crescimento do PIB, mas também uma forte pressão sobre a inflação. A Quest prevê IPCA de 0,30% para outubro e, olhando a inflação do núcleo, diria que entramos em um período de preocupação com a inflação de demanda no setor de non-tradables. Por isso acho que o BC está correto em parar para ver. E os gastos? Não existe na economia brasileira espaço para que todo mundo cresça à taxa que estamos crescendo. Alguém terá que reduzir o ritmo. Em algum momento, o BC vai ter que começar a subir os juros, vai ter de apertar o canal de crédito e o canal de investimento. Isso está dado. O que não sabemos é o timing disso. Vamos supor que o BC suba os juros, o crédito interno fica mais oneroso, a empresa vai buscar financiamento no exterior, que é mais barato. Aí quem vai pagar a conta é o consumidor, com prestações mais altas. O problema é que, quando ficar claro para o setor privado que o ajuste vai ser feito pela demanda, ele vai atrasar seus investimentos. Então, teremos uma contaminação consumo versus investimento muito clara. O que não dá para saber é se vai acontecer nos próximos três, quatro ou cinco meses. Reforma tributária? Para mim é uma coisa muita clara: a reforma tributária começa com redução de gastos. Quando se fala em reforma tributária, isso quer dizer abaixar a carga tributária e melhorar a qualidade de impostos. E para fazer isso é preciso reduzir despesas. Você não vê no governo atual, e talvez nem nos passados, nenhum empenho maior nessa direção.

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