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Política monetária tem alcance limitado em relação à ascensão contínua dos preços

É bom lembrar que nem todas as cartas do crescimento e do controle da inflação estão nas mãos da política monetária

Por Ernesto Lozardo
Atualização:

Há inúmeros fatores que influenciam a tendência dos indicadores da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Existem indicadores que apontam para um aumento de preços de forma persistente e outros que sinalizam uma transitoriedade. A política monetária, embora tenha a incumbência de controlar a elevação de preços para manter o poder de compra da moeda, tem alcance limitado em relação à ascensão contínua dos preços. Isso se deve ao fato de que existe a elevação de preços mais duradoura, causada por choques, escassez de oferta e preços administrados, e a de natureza transitória, que pode ser de demanda.

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A pandemia da covid-19 é um fator conjuntural que desestruturou e reduziu as cadeias de ofertas globais de produção de bens e serviços. Influiu, também, na queda da demanda, tanto por causa do fechamento da economia e o elevado desemprego como pela redução da renda familiar, causando, inicialmente, deflação.

No entanto, as políticas de estímulo fiscal de vários países – algo em torno de US$ 20 trilhões – reverteram a tendência recessiva e deflacionária. Os estímulos das economias desenvolvidas e da China incentivaram o crescimento e o surto inflacionário.

Neste ano, a inflação poderá estar próxima de 6,5% e, em 2022, em torno de 4%. Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

No Brasil, o impacto da pandemia não tem sido diferente, o fator vacinação é determinante, porém a questão inflacionária requer análise mais cuidadosa. No caso brasileiro, há choques internos e externo de preços e a resposta para a reabertura poderá ser diversa. Há que considerar efeitos inflacionários transitórios e persistentes.

O avanço gradual da vacinação – cujo alvo é atingir 70% da população brasileira com duas doses até o fim deste ano – motivará a reabertura econômica, mas a retomada do crescimento será lenta, porque a renda social caiu, o desemprego permanece muito elevado e os investimentos permanecerão baixos.

Um dos aspectos que elevaram o peso dos fatores inflacionários persistentes foi a redução da oferta das cadeias de produção. Neste caso, o tempo de recuperação será longo e terá impacto sobre a inflação.

A crise hídrica, a maior em quase cem anos da nossa história, conjugada com o estreitamento das cadeias de oferta, fará com que a oferta de bens e serviços caminhe atrás da demanda. Isso é inflacionário.

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Se somarmos a isso a falta de água para a irrigação da agricultura e para o agronegócio, a inflação influirá na cadeia alimentar até 2022. Os preços dos combustíveis, das commodities minerais e dos derivados de petróleo continuarão em alta até meados de 2023.

Visto que a possibilidade é de dois terços da população ter recebido a segunda dose da vacina contra a covid-19, a recuperação efetiva do setor de serviços dependerá da elevação da renda real da sociedade, algo pouco provável.

Transportes e alimentos influirão na alta da inflação, mas terão efeitos transitórios ao longo dos próximos dez meses.

O efeito transitório dos indicadores de inflação poderá se estender por um período de 10 a 12 meses, ao passo que o efeito mais duradouro poderá alcançar 24 meses. Nota-se que o peso setorial relativo dos preços persistentes supera o dos transitórios.

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Neste contexto, caberá à política monetária calibrar a alta dos juros, considerando que há setores cuja influência dos juros é quase nula, em face da inelasticidade do preço-demanda do bem, e as características conjunturais que manterão elevado o nível da inflação e reduzirão o crescimento potencial nos próximos anos. Neste ano, a inflação poderá estar próxima de 6,5% e, em 2022, em torno de 4%. É bom lembrar que nem todas as cartas do crescimento e do controle da inflação estão nas mãos da política monetária.

*PROFESSOR DE ECONOMIA DA EAESP-FGV, É AUTOR DO LIVRO ‘O.K., ROBERTO. VOCÊ VENCEU! O PENSAMENTO ECONÔMICO DE ROBERTO CAMPOS’ (EDITORA TOPBOOKS, 2018)

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