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Por que a China quer o Hummer?

Por Conor Clarke e THE GUARDIAN
Atualização:

A marca Hummer da General Motors é um dos símbolos mais patentes do poder, influência e desperdício dos Estados Unidos. Se a China quer comprá-la, vamos deixar. Consigo compreender por que a China está comprando a dívida americana. Mas por que, afinal, ela quer adquirir uma empresa automotiva americana? A Sichuan Tengzhong Heavy Industrial Machinery Company Ltd., possivelmente a menos atraente empresa de maquinário pesado já existente (especializada em piers de pontes), está comprando a marca Hummer da General Motors, que provavelmente é a mais desastrosa de todas as marcas americanas de carros. O simbolismo e a ironia são muitos. O Hummer é a versão civil do Humvee (de High Mobility Multipurpose Wheeled Vehicle) do Exército americano. O Humvee é o veículo mais simbólico do Exército americano e portanto uma das mais flagrantes projeções do poder , influência e do desperdício americanos em todo o mundo. Além disso, o Humvee saltou do Exército para a manufatura civil graças ao hoje governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que, quando filmava Um tira no jardim de infância, viu um comboio de Humvees passando por ele e decidiu que tinha que ter um. E conseguiu. Mas agora o governo dos Estados Unidos tornou-se proprietário da GM e a montadora espera conseguir algum valor de mercado para muitos dos seus ativos remanescentes. Portanto, o Hummer, junto com o Saturn e Saab, e alguns outros, faz parte do bloco à venda. Mas o governo chinês precisa aprovar a compra (ele sempre tem que aprovar qualquer compra de empresas do país) e pelo menos um louco da Heritage Foundation diz que o governo dos Estados Unidos também teria que autorizar a venda por razões de segurança nacional, de modo a garantir que nenhuma tecnologia sensível seja transferida para a China. É o capitalismo se movimentando. SÍMBOLO DO DECLÍNIO Mas ninguém deve perder de vista o fato de que insistir no Hummer é realmente uma péssima ideia. O declínio do setor automotivo americano é relativamente fácil de resumir - e se reduz a essa marca. Em 1955, as grandes montadoras de Detroit tinham 94,5% de participação no mercado americano. Hoje, ela está reduzida à metade. E isso ocorreu porque as montadoras estrangeiras penetraram, com sucesso, no mercado americano, e com carros pequenos. As montadoras americanas sempre fabricaram carros maiores e mais espalhafatosos do que os produzidos pelo resto do mundo. Isso porque as coisas nos Estados Unidos tendem a ser extragrandes: rendimentos muito mais altos, estradas mais largas, preços da gasolina mais baixos, e distâncias nas rodovias mais longas. A demanda por carros maiores não é necessariamente um problema, desde que seja uma demanda sustentável no longo prazo. Mas não é. A história dos últimos 50 anos tem mostrado que as preferências do consumidor vem mudando com os choques econômicos. E Detroit nunca quis ver isso. No fim dos anos 50, sacudidos pela recessão, os consumidores americanos passaram a comprar carros importados menores. As montadoras americanas reagiram, importando carros de menor porte de suas subsidiárias no exterior. Mas, na década de 60, começaram a fabricar modelos maiores novamente. Depois, vieram as crises do petróleo, nos anos 70, e tudo recomeçou. Mas, à medida que os preços dos combustíveis caíram, na década de 80, os americanos de novo preferiram os carros grandes e as picapes. E, inevitavelmente, o Hummer. O Hummer refletia uma crença sustentada e razoavelmente plausível de que qualquer coisa que se pudesse imaginar transportando uma metralhadora era "o máximo". O Hummer foi também reflexo de uma outra ideia, menos convincente, de que o apetite americano por carros seria grande por toda a eternidade. E, por último, refletiu ainda uma crença estúpida de que a energia sempre seria barata. A China acredita em tudo isso? As vendas do Hummer caíram 51% no ano passado e este ano devem cair a uma taxa impressionante de 67%. Se a China quiser o Hummer, esse é o tipo de coisa que os EUA podem se dar ao luxo de permitir. *Conor Clarke é jornalista

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