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Por que limitar a dívida da União

Por Marcos Mendes
Atualização:

Será votado no Senado projeto de resolução que fixa limite máximo para a Dívida Consolidada da União. Atingido o limite, a União ficaria proibida de contratar novos empréstimos, podendo apenas rolar a dívida mobiliária vincenda. Trata-se de medida de responsabilidade fiscal que decorre de uma determinação constitucional (art. 52, inciso VI), regulamentada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 30, inciso I). Há, porém, temores de que o tiro saia pela culatra. Se a União não ajustar suas receitas e despesas e ficar proibida de se endividar, pode haver uma paralisação do governo, como ocorre nos EUA. A aproximação do limite, sem que haja ajuste fiscal, pode desencadear corrida especulativa, aumentando os juros sobre a dívida. Outra consequência adversa seria estimular o Banco Central (BC) a reduzir sua carteira de títulos (contabilizada na dívida consolidada) só para cumprir o limite de endividamento, prejudicando a sua capacidade de fazer política monetária. Ou o Tesouro teria dificuldade para expandir a dívida visando a formar um colchão de liquidez para se prevenir contra momentos de turbulência. O projeto gera esses riscos? Não! Há um período de transição de 15 anos, durante o qual não se aplicará a proibição de novos empréstimos. Nos próximos 15 anos, sempre que o limite for descumprido, a única consequência será a obrigatoriedade de o ministro da Fazenda redigir uma carta aberta ao presidente do Senado, explicando os motivos do fato. Exatamente como se faz no regime de metas de inflação: o único custo será reputacional. Uma meta de endividamento de longo prazo, conhecida de todos, sinalizará a direção que se pretende dar à política fiscal. Haverá, também, um aumento da transparência da gestão da dívida e das causas da sua elevação. Ademais, há várias válvulas de escape para lidar com variações do ciclo econômico e com a herança do recente descalabro fiscal. O projeto reconhece que já há aumento de dívida contratado para os próximos cinco primeiros anos. Por isso, a dívida consolidada, que atualmente é 5,6 vezes maior que a receita corrente líquida, poderá ir a 7,1 vezes no quinto ano da transição. Nos dez anos seguintes, o limite cairá gradualmente até 4,4. Sempre que o PIB crescer menos que 1%, o período de transição aumentará em um ano. Ademais, o Poder Executivo pode, a qualquer momento (durante ou após a transição), propor um novo limite ao Senado se constatar que as condições macroeconômicas se deterioraram. Ao longo da transição haverá tempo suficiente para fazer as necessárias reformas fiscais. O limite da dívida é apenas o primeiro tijolo de uma construção maior, e está sendo criado de forma a estimular que essa construção vá em frente. Se o argumento contra o projeto é o de que 15 anos é pouco tempo para essa transformação institucional, então o problema não é se existe ou não limite para a dívida. O problema é que, na partida, já aceitamos que o Brasil não tem mais jeito. Se o argumento é de que os limites são muito apertados, então cabe ao Poder Executivo propor, a qualquer momento, um limite mais elevado, com base no seu planejamento fiscal. Quanto ao temor de que o BC seja levado a reduzir sua carteira de títulos ou o Tesouro tenha de reduzir seu saldo de caixa, deve-se observar que ambos estão inchados por causa de inadequadas mudanças feitas pela Medida Provisória 435/2008 nas regras de transferência de lucros do BC ao Tesouro. Ela abriu a possibilidade de o BC conceder financiamento inflacionário ao Tesouro, bem como permitiu ao Tesouro empurrar o financiamento da dívida pública para o BC. Desde então a carteira de títulos do BC pulou de R$ 500 bilhões para R$ 1,2 trilhão e o caixa do Tesouro foi de R$ 350 bilhões para R$ 900 bilhões. A reversão dessa barbeiragem reduziria a dívida consolidada em 0,9 vez a receita corrente líquida e vedaria o financiamento inflacionário da dívida pública.* Marcos Mendes é doutor em economia. É autor de 'Por que o Brasil cresceu pouco?' (Elsevier, 2014)

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