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Por que o Brasil não vai bem?

O distrato é a trava fatal de um setor que poderia ajudar o País a reduzir o drama de 14,2 milhões de desempregados

Por Romeu Chap Chap
Atualização:

Charles de Gaulle foi absoluto ao definir que, quando a construção vai bem, tudo vai bem num país. O estadista francês resumiu que qualquer economia depende desse segmento para prosperar.

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E vimos como isso funciona aqui, no Brasil. Os vários episódios de crescimento e até mesmo de pleno-emprego coincidem com o dinamismo dessa atividade produtiva. Nos últimos dois anos, esse segmento deixou de ir bem. E o Brasil também. E isso não foi só por causa da crise política e econômica (aliás, muito mais política).

De um lado, o segmento de obras públicas da construção civil foi e continua sendo paralisado em razão das sucessivas denúncias de corrupção. Enquanto tudo não for apurado, com a consequente punição dos devidos culpados, as chances de retomada neste campo são remotas. E, enquanto isso não se resolve, milhares de cidadãos continuarão perdendo emprego.

O mesmo, porém, não acontece com a indústria imobiliária, em que o arrefecimento da demanda, por demissão e, principalmente, por falta de confiança no futuro, é um grande entrave. Mas está longe de ser o maior deles. Hoje, o principal problema do mercado de imóveis nacional tem um nome: distrato. Essa é a trava fatal de um setor que, operando com o mínimo de segurança jurídica, poderia ajudar o País a reduzir o drama de mais de 14 milhões de brasileiros sem ocupação.

Dizem que, quanto mais o tempo passa, mais contamos histórias. E esta seria só mais uma, não fosse sua forte atualidade diante do que estamos assistindo: contratos imobiliários, assinados como irretratáveis e irrevogáveis, sendo rasgados.

Houve época em que era difícil de conseguir financiamento imobiliário para a compra da casa própria. A década de 1980 foi crítica nesse aspecto. O mercado buscou alternativas. Foram anos de produção de imóveis a preço de custo (construtoras e incorporadoras fazendo o papel dos bancos). Enfim, soluções criativas para atender à demanda, de um lado, e manter as empresas vivas, de outro.

Dentre elas, lutamos pela criação do consórcio de imóveis, tornando-o uma opção para famílias que pudessem se enquadrar nesse regime de aquisição. Foi nos anos 90 que conseguimos aprovar o consórcio imobiliário no Brasil, opção que rapidamente ganhou corpo. Um corpo que quase definhou quando tentaram fazer com ele o que hoje estão fazendo com a venda de imóveis novos na planta, em construção ou prontos: deixar que o adquirente, de forma unilateral, desista do negócio e exija tudo o que pagou de volta (corrigido).

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Foi dura a batalha para impedir que os distratos viessem a destruir os consórcios imobiliários. Mostramos às autoridades que, no caso imóvel, a desistência pura e simples do adquirente acabaria com a modalidade. Para impedir, a proposta (aceita) foi a de só devolver o dinheiro do desistente no fim do consórcio, e não no meio do processo.

Diferentemente do automóvel (que, vale notar, sempre teve suas regras respeitadas), não dá para levar o imóvel na loja de usados. Até porque ele poderá ter uma família dentro. A comparação pode ser grotesca, mas a linha de produção da moradia é de alta complexidade; envolve vários interessados e usuários; seus instrumentos de venda não podem ter a fragilidade de um castelo de cartas.

Se as autoridades de antes entenderam que era preciso preservar os consórcios, por que as autoridades de hoje acham que o mercado imobiliário pode ser destratado pelos distratos, que atingem monstruoso número de unidades comercializadas?

Por que tanta demora em dar um norte à questão que nem sequer deveria existir, haja vista que tem por base uma interpretação enviesada do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, que visa a proteger o comprador da perda total das prestações pagas no caso de o incorporador retomar o imóvel, e não o contrário?

Quando a dívida é com um banco, não há discussão. Em caso de inadimplência, a instituição financeira simplesmente retoma o imóvel e o põe em leilão. Por que dois pesos e duas medidas?

Neste mundo de tantas incertezas, ao menos uma poderia inexistir: contrato assinado com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade tem de ser respeitado e ponto final. É assim que as leis e a ordem são preservadas. Fora disso, resta a anarquia.

*EX-PRESIDENTE DO SECOVI-SP, É COORDENADOR DO NÚCLEO DE ALTOS TEMAS (NAT)

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