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Por que os indianos adoram recordes mundiais

Obsessão generalizada pode ser explicada pelo fato de que, excluídos o críquete e o xadrez, os indianos apresentam um desempenho péssimo na maioria dos esportes

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Por Redação
Atualização:
Bigode mais longo do mundo, um dos muitos recordes indianos Foto: Reuters

O ministro das finanças da Índia, Arun Jaitley, viveu um breve momento de alívio no dia 20 de janeiro. A Guinness World Records conferiu a ele um certificado reconhecendo que mais de 18 milhões de novas contas bancárias foram abertas na Índia numa única semana no mês de agosto do ano passado, um feito único. 

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Há uma campanha em andamento com o objetivo de incluir todos os lares no sistema bancário: até 24 de janeiro um total de pelo menos 121 milhões de novas contastinham sido abertas. Mas o tema da inclusão financeira é de uma monotonia mortífera. O que empolga as pessoas é o fato de um recorde mundial, especialmente quando certificado por uma autoridade estrangeira, Guinness, ou por uma autoridade local, como o Livro dos Recordes Limca. Por que os indianos se interessam tanto (mais do que outros povos) pela quebra de recordes?

Com uma população de 1.25 bilhão de pessoas, a Índia conta com uma vantagem inerente em relação aos demais países quando o assunto são os grandes números. O tamanho do país significa que não é difícil alcançar novos recordes: a Índia tem o maior banco de dados biométricos do mundo (mais de 700 milhões de participantes até o momento), por exemplo, e o maior número de mulheres eleitas para cargos políticos (mais de 1 milhão). 

Mas explicar a obsessão individual pela quebra de recordes é mais difícil. De acordo com a Guinness World Records, que abriu um escritório em Mumbai alguns anos atrás, os indianos enviam mais solicitações de certificados de recordes do que todos os demais países emergentes (somente americanos e britânicos fazem mais solicitações). Se contabilizarmos o Limca e os demais registros locais de feitos recordes, é quase certeza que a Índia ultrapassará todos os demais países.

Entre os feitos nacionais: maior pão chapati do mundo (64 quilos), em 2005; maior reunião de sósias de Gandhi (485, em Kolkata, 2012); redator de cartas mais persistente (456 cartas enviadas a um jornal de Bophal, entre 2000 e 2006); maior bigode (quatro metros e 29 centímetros, em 2013); passar uma agulha pelos pontos de costura 7.238 vezes em duas horas (1990). O mais estranho? Talvez seja o do sapateiro James Syiemiong, que estalou 26 juntas diferentes do corpo dentro de um único minuto, ou o de Radhakant Baijpal, dono dos pelos mais longos já vistos em orelhas (25 centímetros).

As motivações de quem tenta quebrar recordes são as mais variadas, mas muitas delas podem explicar a obsessão generalizada observada na Índia. Uma delas é o fato de, excluídos o críquete e o xadrez, os indianos apresentam um desempenho péssimo na maioria dos esportes reconhecidos. A seleção de futebol, por exemplo, ocupa a 171.a posição no ranking, logo atrás de São Tomé e Príncipe, com população de 190 mil. 

Assim, o estabelecimento de recordes mundiais em atividades incomuns pode ajudar a estimular o orgulho nacional. Em segundo lugar, muitos indianos adotaram prontamente traços organizacionais dos britânicos (os dois países têm muitos tipos estranhos obcecados com a manutenção de registros, que adoram recordar o placar de partidas de críquete ou lembrar detalhes do clima). 

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Os membros de uma faculdade ou associação voluntária com frequência se reúnem para alcançar uma meta conjunta, como foi o caso dos 292 estudantes de engenharia de Pune que pularam juntos uma mesma corda simultaneamente, ou os sósias de Gandhi em Kolkata que captaram recursos para crianças pobres. 

A Índia está repleta de ativistas e associações de caridade promovendo campanhas ou captando dinheiro com alguma peripécia digna de entrar nos livros de recordes. Em terceiro, os indianos se mostram extremamente à vontade diante da excentricidade: uma sociedade que não se choca com seitas religiosas cujos membros andam nus - ou com o fato de muitos passarem a maior parte da vida meditando - dificilmente vai se surpreender com a obsessão individual de um candidato a recordista.

Uma última explicação, ligada às demais, é o fato de os indivíduos usarem os recordes como caminho para alcançar glória e renda modestas. Um celebrado personagem de Delhi, Guinness Rishi (ele mudou de nome para chamar atenção à sua reputação de quebrador de recordes), conquistou sete recordes certificados pela Guinness até 2012, embora alegasse ser o dono de outros 15. Tinha o maior número de tatuagens de bandeiras no corpo (220), tinha sido o mais rápido a devorar determinada quantidade de ketchup e produziu o menor Alcorão do mundo.

Por que ele fez tudo isso? A um jornalista estrangeiro, ele respondeu: "Não tenho escolha a não ser insistir em quebrar recordes, caso contrário serei esquecido". Em outras palavras, a Índia é tão populosa que pode ser difícil encontrar uma maneira de se destacar da multidão. Quebrar um recorde significa receber atenção. O ministro Jaitley não precisava de atenção, mas muitos outros indianos anseiam por ela.

© 2015 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados.

Da Economist.com, traduzido por Augusto Calil, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado no site www.economist.com 

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