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PORTFÓLIO-A crise em Dubai e a nova face da especulação

Por CLÁUDIO GRADILONE
Atualização:

Os temores provocados pela reestruturação unilateral e compulsória dos 59 bilhões de dólares de dívida do Dubai World, empresa de investimentos do governo de Dubai, estão circunscritos a seus credores. Mas o problema que surpreendeu o mercado internacional há poucos dias mostra que o sistema financeiro internacional está longe de ter recuperado sua saúde e sua solidez. O que ocorreu em Dubai indica a possibilidade de uma nova bolha especulativa. O acontecido em Dubai na semana passada sublinhou que o sistema financeiro internacional permanece frágil, apesar de todas as medidas governamentais que foram tomadas nos últimos meses para sanear os bancos e garantir estabilidade aos investidores. Aparentemente, as consequências já foram superadas. A autoridade monetária dos Emirados Árabes Unidos anunciou no domingo que vai garantir a liquidez dos bancos daquele país do Oriente Médio. Dubai é um dos sete emirados. Também nesta segunda-feira, a agência de classificação de risco Moody's afirmou que a inadimplência do Dubai World não deverá afetar a classificação de risco de Abu Dhabi, outro dos sete emirados e, ao lado de Dubai, um dos mais abertos ao mercado financeiro internacional. Aqui no Brasil, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central (BC), comemorou as decisões e disse que o fluxo de recursos para o Brasil não vai ser afetado, pois os indicadores brasileiros são sólidos. Tudo está bem quando termina bem? Nem tanto. O ocorrido mostra a nova face da especulação financeira. A fragilidade decorre do fato de ainda haver muito dinheiro em circulação no sistema em uma economia global cujo nível de atividade está bem abaixo dos níveis anteriores à crise. Ou seja, a motivação básica para uma aceleração da inflação ou para o surgimento de movimentos especulativos. O mecanismo é simples: suponha-se um banco norte-americano em dificuldades que tenha recebido uma linha de crédito de 10 bilhões de dólares. Boa parte desse dinheiro foi usada para limpar a carteira de ativos, saneando os empréstimos imobiliários de má qualidade, por exemplo. Quem tinha recursos investidos em alguns fundos, por exemplo, conseguiu recuperar parte desse dinheiro. O dinheiro recuperado ficou dormindo em aplicações seguras, mas só por algum tempo. Não demorou muito para que ele fosse reinvestido em outros mercados e instrumentos financeiros. Sem contrapartidas reais --empresas investindo ou incorporadores construindo imóveis-- o dinheiro em circulação alimenta uma nova bolha. Por isso, o episódio de Dubai não pode ser considerado um fato isolado e remoto. Dubai é a economia do Oriente Médio mais integrada ao Ocidente. Não por acaso, os bancos mais afetados são alemães ou internacionais, como o HSBC, por exemplo. Uma bolha que tenha derrubado os investimentos por lá mostra que pode haver problemas de difícil percepção em todos os países emergentes, devido à nova face da especulação. Veículos de investimento como o Dubai World são exemplos clássicos dos novos instrumentos financeiros que fizeram a especulação mudar de endereço. As transações com ativos de países emergentes são muito menos visíveis do que as operações com ouro, petróleo ou commodities agrícolas. Boa parte dos ativos de países emergentes é transacionada em mercados de balcão, em contratos diretos entre as partes ou por meio de fundos de private equity ou companhias de participação sediadas em paraísos fiscais, todos instrumentos mais difíceis de avaliar, controlar e fiscalizar. À medida que as autoridades monetárias internacionais apertam a fiscalização contra os suspeitos habituais, como bancos de investimento e fundos de hedge, as sobras de caixa dos pacotes de ajuda migram para investimentos menos regulamentadas. A partir de empresas como o Dubai World, o dinheiro pode ir para empreendimentos imobiliários no Nordeste brasileiro, para empresas de alta tecnologia na Índia, para custear a exploração de petróleo na África ou fábricas de eletro-eletrônicos na China, empreendimentos com riscos difíceis de medir. As consequências desses investimentos poderão trazer novas e desagradáveis surpresas para os investidores, postergando o momento em que será possível dizer que a crise financeira passou. * O jornalista Cláudio Gradilone assina pela última vez a coluna Portfólio para a Reuters; as opiniões expressas são de sua responsabilidade. (Edição de Alexandre Caverni)

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