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PORTFÓLIO-O irresistível avanço dos bancos estatais

Por CLÁUDIO GRADILONE
Atualização:

A crise econômica afetou tão profundamente o sistema bancário internacional que forçou governos de todas as latitudes geográficas e ideológicas a romper velhos paradigmas e a investir pesado para salvar os bancos da falência. Esse movimento ainda está para acontecer no Brasil, o que vai afetar bastante o sistema bancário nacional no médio prazo e pode alterar as condições do mercado financeiro. O surto estatizante começou em novembro passado, na insuspeita Islândia. O país tinha tudo para parecer sério: ética nórdica, a democracia mais antiga do mundo. Mesmo assim, os bancos islandeses sucumbiram à especulação e acabaram nacionalizados. Nesta sexta-feira, a chanceler alemã Angela Merkel disse que está "um passo mais perto" de nacionalizar o Hypo Real Estate, que nasceu a partir de uma cisão do Hypo Vereinsbank, uma das maiores companhias hipotecárias da Europa. Antes de chegar à Alemanha, os ventos estatizantes passaram pelos Estados Unidos. Nenhum banco tornou-se estatal até agora, mas a seguradora AIG passou a ser controlada pela Receita Federal ainda em setembro do ano passado. Agora, o pacote de auxílio proposto pelo secretário do Tesouro, Timothy Gerthner, passa pelo estabelecimento do equivalente a uma parceria público-privada em que dinheiro estatal será usado para comprar ativos de má qualidade ou para garantir liquidez em momentos de restrição dos mercados de crédito. E no Brasil? Até agora, o aumento da intervenção estatal no sistema bancário passou quase desapercebido. A Caixa Econômica Federal não fez nenhum movimento significativo, mas o Banco do Brasil já deixou claras suas intenções. Boa parte do crescimento do BB ocorreu em áreas que já pertenciam ao Estado, como no caso das aquisições do banco estatal paulista Nossa Caixa e do Banco do Estado do Piauí. A exceção a essa regra foi a compra de 49 por cento das ações do Banco Votorantim, mirando o mercado de financiamento automotivo, além da compra de algumas carteiras de crédito de bancos menores pela liberação de depósitos compulsórios. MAIS APETITE Segundo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, até janeiro o BC havia liberado quase 100 bilhões de reais em compulsórios. Esse processo vai se acelerar. Um conhecedor dos meandros do Banco do Brasil e da Caixa acredita que ambos vão demonstrar um apetite de banco privado a partir do segundo semestre. A Caixa, por exemplo, está estruturando uma empresa de participações, chamada CaixaPar, dedicada a comprar participações acionárias em empresas financeiras. O BB deverá realizar, nos próximos meses, a maior operação do mercado segurador brasileiro nas últimas décadas, que é a reestruturação de suas empresas de seguros e previdência. A companhia a ser criada deverá, em pouco tempo, disputar a liderança do mercado segurador e previdenciário brasileiro. O impacto dessas mudanças no mercado será bastante profundo. BB e Caixa Econômica Federal são bancos sólidos, sérios e bem geridos. Mesmo assim, eles têm um acionista controlador que, ao contrário dos concorrentes, não busca o lucro financeiro em primeiro lugar. O apetite dos bancos estatais por crescimento visa dar musculatura a projetos de desenvolvimento nacional orientados pelo governo. Não é possível dizer, por princípio, que a iniciativa privada é automaticamente eficiente e que a atuação estatal é ineficiente e ineficaz. Uma rápida análise dos resultados dos bancos nos EUA em 2008 mostra que essa premissa não se sustenta. O perigo, aqui, está na proximidade temporal entre a decisão de fortalecer o sistema estatal e as eleições presidenciais de 2010. O histórico dessas convergências mostra um quadro desfavorável para as contas públicas. * O jornalista Cláudio Gradilone assina a coluna Portfólio para a Reuters; as opiniões expressas são de sua responsabilidade.

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