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PORTFÓLIO-O nó das economias europeias afeta o Brasil

Por CLÁUDIO GRADILONE
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Agora é oficial: a recessão instalou-se confortavelmente nos países da zona do euro. No primeiro trimestre do ano, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 2,5 por cento. Segundo informações divulgadas nesta semana, a retração da economia espanhola, de 1,8 por cento no primeiro trimestre de 2009, foi a pior desde 1970. Mais grave do que o passado, porém, é o futuro: há poucos sinais de que essa situação mude no médio prazo. A retração das principais economias europeias, assim como os imigrantes indesejados, chegou para ficar e não dá mostras de querer ir embora tão cedo. Os países que integram a zona do euro viram suas economias encolher pelo quarto trimestre consecutivo. No último trimestre de 2008, a retração havia sido de 1,6 por cento. Foi o pior desempenho já registrado desde 1995, quando as estatísticas começaram a ser compiladas em conjunto. As causas para um desempenho tão ruim são várias. Passam pelos entraves legais e trabalhistas da Europa, que tornam mais difícil contratar e demitir, e desestimulam a recuperação rápida do mercado de trabalho. Incluem os problemas de países com taxas declinantes de natalidade, pois populações mais velhas tendem a consumir menos e a sobrecarregar os sistemas de seguridade social. Mas há uma outra dificuldade, menos visível e, paradoxalmente, mais séria: as dificuldades inerentes a um banco central que tem de lidar com tantos países diferentes. Explicando. As tarefas do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) e do Banco do Japão são proporcionalmente mais fáceis. Suponha-se que essas instituições decidam ampliar a liquidez da economia injetando dinheiro no mercado, por meio do instrumento tradicional da compra de títulos públicos. O banco central norte-americano vai receber títulos norte-americanos e injetar dólares no mercado norte-americano. O mesmo vale para o Japão. No caso do Banco Central Europeu (BCE), não existem títulos públicos supranacionais em quantidade suficiente para realizar uma política monetária efetiva. Só essa causa instrumental é capaz de provocar enormes dificuldades na gestão da política monetária. Apesar da proximidade geográfica, os países são antípodas na forma de encarar os gastos públicos e a tolerância com a inflação. Na Alemanha, traumatizada por duas hiperinflações, o valor do euro é sagrado. Na Itália, que durante anos cobriu seus buracos orçamentários desvalorizando a lira para fomentar exportações, a tolerância é muito maior. Qual país deveria ser beneficiado pelas políticas, a disciplinada Alemanha, a mais flexível Itália ou, quem sabe, a tremendamente necessitada Espanha, cujas taxas de desemprego rondam preocupantes 20 por cento? Vale o registro de que, na Alemanha, a queda do PIB no primeiro trimestre foi de 3,8 por cento, o que confirma a pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Na Itália, a contração foi de 5,9 por cento, a maior baixa trimestral desde 1980. Não por acaso, um dos pontos que mais dificultou a adoção da moeda única foram os limites ao endividamento público e à inflação, assuntos que periodicamente voltam à baila, com algum país defendendo uma flexibilizada pontual nas regras. Essa discussão aparentemente é um assunto do Hemisfério Norte e do outro lado do Atlântico, mas seus reflexos sobre a economia brasileira são diretos e importantes. A União Européia é nosso terceiro parceiro comercial, perdendo para China e Estados Unidos. Além disso, os países da União Européia são, tradicionalmente, grandes investidores no mercado brasileiro. Basta ver a participação espanhola no sistema financeiro e de telecomunicações brasileiro, por exemplo. Economias em recessão afetam as empresas nacionais, o que quer dizer que participantes importantes da economia brasileira terão menos fôlego para investir e ampliar suas atividades, sem falar na participação de investidores institucionais no mercado de capitais. Por tudo isso, os sinais econômicos da Europa deverão permanecer preocupantes, o que não estimula os humores por aqui. * O jornalista Cláudio Gradilone assina a coluna Portfólio para a Reuters; as opiniões expressas são de sua responsabilidade.

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