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PORTFOLIO-Wall Street atenta à consistência da papinha

Por CLÁUDIO GRADILONE
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Nada pode estar mais distante do darwinismo do mercado financeiro do que papinhas de bebê, mas isso vai mudar daqui a poucos dias. Mesmo o operador com sensibilidade zero para delicadezas infantis vai prestar atenção a mingaus e suplementos alimentares para recém-nascidos. Na segunda semana de fevereiro, em data ainda a ser definida, a empresa norte-americana Mead Johnson Nutrition vai abrir seu capital. O resultado desse "Initial Public Offering" (IPO) vai definir o humor do mercado para os próximos meses. A empresa planeja levantar 562 milhões de dólares, vendendo 25 milhões de ações numa faixa de preços entre 21 e 24 dólares por ação, e vai usar o dinheiro para pagar dívidas. Será o primeiro IPO em Wall Street desde o lançamento da empresa administradora de universidades Grand Canyon Education, que lançou suas ações no dia 20 de novembro passado. Em tempos de euforia, seria um daqueles IPOs que provocariam filas de dobrar o quarteirão para garantir um lote de ações. A Mead Johnson é uma empresa centenária. É controlada pelo laboratório Bristol-Myers Squibb, que vai reter 80 por cento das ações depois do IPO. Se o nome não parece familiar, o seu produto mais conhecido no Brasil é o suplemento alimentar Sustagen. É uma daquelas empresas que faria as delícias de Peter Lynch, criador do fundo Fidelity Magellan: é a maior produtora de alimentos infantis do mundo e todo norte-americano a conhece, seja por ter usado seus produtos na infância seja por alimentar seus filhos com eles. Fato raro, está no azul. O faturamento foi de 2,17 bilhões de dólares nos nove meses findos em setembro passado, um aumento de 14 por cento em relação ao mesmo período de 2007. Os lucros também cresceram 8 por cento, para 347 milhões de dólares nesse período. Além disso, nada mais anticíclico do que alimento infantil. Que pai ou mãe deixaria de comprar comida para seus filhos, por pior que fosse a crise? Por isso mesmo, o mercado vai observar o IPO com lupa. Um lançamento bem-sucedido será uma injeção de ânimo muito necessária em Wall Street. Uma recepção morna vai confirmar que o mercado de capitais norte-americano ainda terá de atravessar um longo deserto. As perspectivas não são das melhores. Em dezembro passado, a Mead Johnson havia informado as autoridades que tentaria levantar um bilhão de dólares por meio de seu IPO, mas ela já reduziu a proposta de captação em quase 50 por cento. Alguns analistas consideram arriscada a estratégia de testar os investidores agora. "A empresa é de primeira linha, mas ainda estamos muito no início de um eventual movimento de recuperação", disse um analista norte-americano. Por acaso, há mais duas aberturas de capital agendadas para a mesma semana, mas seus portes e os perfis dos emissores não se comparam ao da Mead Johnson. Um deles é o O'Gara Group. É uma empresa fornecedora de produtos de segurança, cujo principal cliente são as Forças Armadas e policiais dos Estados Unidos, que vai tentar levantar 144 milhões de dólares no mercado eletrônico Nasdaq. Outra é a Changing World Technologies, que produz biodiesel e tentará captar 35,7 milhões de dólares na Bolsa de Nova York. Analistas e economistas escreveram milhares de páginas louvando as virtudes do capitalismo norte-americano. Sua abertura para a inovação, a solidez das instituições, Alan Greenspan. Como sempre acontece, o tempo provou que boa parte desse otimismo era irreal. A miríade de excessos, erros, irregularidades e fraudes que explodiu nos últimos meses mostrou que o sistema possuía falhas gravíssimas. Mesmo assim, é essencial para o dinamismo da economia norte-americana (ou seja, da economia mundial) que haja um mercado de capitais que permite colocar investidores com dinheiro em contato com empreendedores com boas idéias ou empresas com boas histórias. É o pulso desse mercado que vai ser testado na segunda semana de fevereiro. * O jornalista Cláudio Gradilone assina a coluna Portfólio para a Reuters; as opiniões expressas são de sua responsabilidade.

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