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Possibilidade de brecha na LDO para assegurar obras vira alvo de controvérsia

São ao menos três polos em torno da 'discórdia': um grupo entende que há margem para ministérios se comprometerem com obras que serão executadas só no futuro, uma ala conta com essa brecha e outro grupo aposta na manutenção de regras fiscais

Foto do author Adriana Fernandes
Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - Um dispositivo inserido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 pelo relator, senador Irajá (PSD-TO), virou alvo de controvérsia dentro e fora do governo, segundo apurou o Estadão/Broadcast. São ao menos três polos em torno da “discórdia”: um grupo entende que há margem para ministérios se comprometerem com obras que serão executadas apenas no futuro, uma ala conta justamente com essa brecha e um terceiro grupo aposta na manutenção de outras regras fiscais para manter a porteira fechada.

O texto prevê que o empenho de uma obra (a primeira fase da despesa, quando há a sinalização do compromisso de que o gasto será feito) vai abranger “a totalidade ou a parcela da obra que possa ser executada no exercício financeiro ou dentro do prazo de validade dos restos a pagar”.

Irajá, senador pelo PSD de Tocantins Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

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A permanência desse trecho foi celebrada no Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), um dos principais defensores da medida e que vê nesse instrumento uma forma de garantir recursos para suas obras. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a avaliação é que o texto vai ao encontro da intenção do ministério de permitir empenho de despesas que serão executadas apenas em anos seguintes.

A manobra para inclusão do dispositivo na LDO vinha sendo articulada nas últimas semanas, com participação do MDR, após o Tribunal de Contas da União (TCU) decidir de forma favorável ao ministério sobre empenhar em 2020 despesas que só serão executadas nos próximos anos. Segundo uma fonte que participou das negociações, o TCU criou o precedente que faltava para inserir essa abertura na lei.

O próprio relator da LDO confirmou, via assessoria, que o texto incluído por ele “reafirma a validade do instituto dos restos a pagar previstos na legislação e que o próprio TCU já reconheceu em decisão recente”. “Portanto, não há nada estranho no relatório”, diz a nota.

Técnicos da área econômica entendem que a redação ficou “adequada” e apostam em outras regras fiscais para conter o apetite por gastos. O argumento é que a Lei de Finanças, de 1964, delimita de forma específica o que pode ou não ser empenhado, e o desrespeito a essa norma colocaria em risco o CPF do gestor que autorizou o gasto. Ou seja, a liberdade para se comprometer com obras seria menor.

Esse diagnóstico vem depois de uma mudança na redação original prevista pelo relator, que pretendia vetar o cancelamento dos chamados restos a pagar de obras em andamento. Ou seja, as despesas de uma obra poderiam ser roladas de um Orçamento para o outro sem limite de tempo e sem prazo para serem concluídas. A área econômica agiu e tirou esse trecho do texto, deixando só a parte que trata do empenho.

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A “concordância” em torno da versão final entre técnicos da Economia e do MDR, que frequentemente se colocam em trincheiras opostas da batalha pelos gastos, foi vista inclusive como inusitada nos bastidores do governo – e até um sinal de que há perigo para um dos lados na construção desse artigo.

No julgamento do TCU, a Economia foi contra a aprovação do pedido do MDR justamente porque a medida poderia abrir a porteira para obras que sequer estão próximas de serem iniciadas e pressionar o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, forçando uma escolha entre quais gastos seriam priorizados.

Dentro da própria área econômica, o posicionamento sobre a LDO não é unânime. Há outra ala que entende que a redação do artigo ficou dúbia e pode abrir brechas para que uma obra seja totalmente empenhada, independentemente da previsão de ela ser executada nos anos seguintes – o que fere a lei.

Entre técnicos de fora do governo, a avaliação é que há margem para que se use o Orçamento de 2021 para empenhar o que será gasto nos três anos seguintes (tempo máximo de duração de um restos a pagar antes de ele ser cancelado), rompendo com o princípio da anualidade orçamentária, segundo o qual o gasto precisa ser feito dentro do próprio exercício.

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A inserção desse dispositivo está sendo comparada a um “jabuti”, embora a assessoria do relator argumente que orientar a elaboração e a execução orçamentária é “papel constitucional” da LDO, enquanto o termo designaria a inclusão de alguma matéria sem relação.

Procurado, o Ministério da Economia informou que “os possíveis entendimentos e interpretações sobre os dispositivos da futura LDO serão avaliados, inclusive pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), quando da análise do autógrafo (após aprovação)”. A pasta disse que a proposta é “similar” ao que já consta em decretos sobre regras orçamentárias, mas admitiu que isso desconsidera eventuais “interpretações”.