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Posta-restante

Se o serviço postal italiano atrair investidores, não será por causa da correspondência que seus carteiros entregam

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Por Redação
Atualização:
Privatização da Poste Italiane é a maior na Itália em 16 anos Foto: Tony Gentile/Reuters

A Poste Italiane, responsável pelo serviço postal na Itália, começou a realizar uma série de apresentações para investidores na semana passada, com o intuito de promover sua privatização. A empresa está pondo à venda uma participação acionária superior a 40%. A abertura de capital, com a qual o governo italiano espera levantar entre € 7,8 bilhões e € 9,8 bilhões (de US$ 8,9 bilhões a US$ 11,2 bilhões), serve para pôr a própria Itália na vitrine. É a maior privatização em 16 anos; e é a joia do programa de venda de ativos com que o primeiro-ministro do país, Matteo Renzi, pretende sinalizar novos rumos para os investidores estrangeiros.  A operação também oferece ao setor postal mais uma oportunidade — já que se segue à abertura de capital realizada por outras operadoras europeias, num movimento a que em breve deve se somar o correio japonês — de convencer os investidores de que essas empresas, cujo negócio tradicional passa por sérias dificuldades, ainda têm futuro. Por causa da ubiquidade do e-mail e de outras formas de correspondência eletrônica, o número de cartas entregues no interior da União Europeia (EU), que era de 108 bilhões em 2008, caiu para 86 bilhões em 2013, segundo a Union Postale Universelle, agência das Nações Unidas responsável por coordenar as políticas postais dos países membros da organização. E a retração continua, informa o banco Barclays, que prevê queda de 5% este ano. Com esse declínio, torna-se ainda mais difícil para as operadoras cumprir a exigência de prestar serviços que atendam todo o território de seus respectivos países. A Poste Italiane sofreu menos com o esvaziamento da sacola de seus carteiros do que outras operadoras europeias, pela simples razão de que a troca de correspondência sempre foi menor na Itália do que, por exemplo, na França e na Grã-Bretanha: os italianos preferem conversar por telefone. Mas o volume de marketing transportado pelo correio italiano despencou durante a crise do euro. E continua em queda: o faturamento da empresa com a entrega de correspondências caiu 6,5% no primeiro semestre de 2015. Se as cartas estão minguando, as encomendas crescem a olhos vistos. Em 2014, segundo a associação setorial Ecommerce Europe, cerca de 4 bilhões de encomendas foram enviadas pelos sites de comércio eletrônico europeus a seus clientes no continente, frente a 3,7 bilhões no ano anterior. A expectativa é que o faturamento com o varejo online alcance € 477 bilhões em 2015 e € 540 bilhões em 2016. Na hora de pegar o bonde do comércio eletrônico, a Poste Italiane não foi tão rápida quanto outros serviços postais. A holandesa PostNL lançou o CheckPay, um serviço contra fraudes, em que o pagamento do comprador só é liberado depois que a encomenda é entregue. E a PostNord, que resultou da união dos serviços postais de Suécia e Dinamarca, criou um sistema que permite às empresas enviar encomendas a consumidores de toda a região nórdica com a mesma facilidade com que fazem isso no interior de seus próprios países. A Poste Italiane tem se movimentado com mais lentidão. Sua fatia no mercado de encomendas é de apenas 12%, ao passo que em outros países a participação dos correios no segmento normalmente é de 40% a 50%. A empresa não deu a devida atenção a essa parte do negócio, admitem seus executivos, mas está empenhada em recuperar o atraso. A Poste Italiane fechou acordo com a Amazon para transportar as encomendas da varejista online e deixá-las à disposição dos clientes em suas agências.  A companhia também quer aproveitar sua rede de distribuição de outras maneiras: desenvolve um programa piloto em Siena, por exemplo, que consiste na entrega de medicamentos em domicílio. A fim de cortar custos, a Poste Italiane foi autorizada a realizar entregas apenas de dois em dois dias em 25% do país — o que representa o descolamento mais radical do princípio da universalidade do serviço postal já adotado por um país da UE. Mas o verdadeiro atrativo da Poste Italiane não tem a ver com serviços postais, que são responsáveis por apenas 14% das receitas da empresa e no ano passado geraram um prejuízo de € 504 milhões. O correio italiano obtém o grosso de seu faturamento oferecendo seguros (66%) e outros serviços financeiros (19%). São atividades que se beneficiam da confiabilidade de sua marca e da ampla rede de atendimento da empresa: são 13,2 mil agências espalhadas por toda a Itália (frente a 3,3 mil e 4,3 mil, respectivamente, do UniCredit e do Intesa Sanpaolo, os dois maiores bancos do país). Tendo se amparado em sua base de correntistas para desenvolver o negócio de seguros, a companhia agora pretende entrar no segmento de gestão de ativos. Em abril, a Poste Italiane adquiriu 10% da gestora de fundos Anima. A intenção é oferecer aos clientes produtos com maior rentabilidade que os títulos públicos (que representam 13,4% da poupança na Itália, frente a 4,9%, em média, no restante da UE). O acesso ao grande estoque de poupança dos italianos, num momento em que os investidores de varejo estão em busca de rentabilidade, é uma das principais mensagens que a empresa veicula nas apresentações realizadas para atrair interessados em adquirir suas ações. São esses serviços não postais que viabilizam a venda de um pedaço de uma empresa que, do contrário, não passaria de uma gigante de entregas deficitária. No primeiro semestre de 2015, com alta de 7%, o faturamento total da Poste Italiane chegou a € 16 bilhões; e o lucro operacional cresceu 26%, alcançando € 638 milhões. Considerando o número reduzido de empresas de grande porte listadas na bolsa italiana, e tendo em vista a divulgação recente de uma série de dados macroeconômicos relativamente positivos, a empresa pode acabar se mostrando um investimento interessante para quem aposta na recuperação da Itália. É possível que os investidores também se sintam atraídos pela promessa de uma distribuição de dividendos de, no mínimo, 80% dos lucros líquidos em 2015 e 2016. A demanda inicial pelas ações é forte. Basta não falar em correio.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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