Postura frente à pandemia piora imagem do Brasil no exterior e afasta investidores

Para analistas, confronto entre governo federal e governadores, indefinição no combate ao coronavírus e dúvidas sobre a capacidade de o País continuar com reformas estruturais são focos de preocupação

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Por Beatriz Bulla e correspondente
5 min de leitura

WASHINGTON - "Estes são os túmulos de abril. Vejo um funeral a cada dez minutos, e este é só o começo.” A descrição de um cemitério em São Paulo com os caixões de vítimas do coronavírus feita na semana passada foi apenas uma dentre as várias vezes em que repórteres das maiores emissoras de TV dos Estados Unidos abordaram a gravidade da pandemia no Brasil. A imagem de caixões e de hospitais se tornou corriqueira na imprensa estrangeira depois que o País rompeu a marca de mais de mil mortes diárias. Segundo a Organização Mundial da Saúde, puxada por Brasil, a América do Sul é agora o novo epicentro da covid-19.

Jair Bolsonaro é visto como um presidente populista pelos analistas Foto: Joedson Alves/EFE

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Analistas internacionais definem o Brasil como uma nação governada por um presidente populista que dá respostas contraditórias à pandemia. Os efeitos concretos da percepção no exterior de que o País ruma para um precipício – ao viver uma tempestade perfeita com crises simultâneas na saúde, na política e na economia – já aparecem nos números e na postura distante que outras nações têm preferido tomar do Brasil.

Desde o início do ano, o real foi a moeda que mais se desvalorizou no mundo, com queda de 45% ante o dólar. A despeito das intervenções diárias do Banco Central, a cotação da moeda americana encostou nos R$ 6. No mesmo período, o CDS (Credit Default Swap), indicador que sinaliza o nível de risco país, cresceu mais de 250%.

Março teve a maior fuga de capital desde 1995

Os números superlativos se repetem na debandada de investimentos estrangeiros. Segundo o último relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), que reúne bancos de investimento, fundos e bancos centrais em 70 países, o Brasil registrou em março a maior fuga de capital em um mês desde 1995 e é o país que mais merece atenção, por causa da rápida deterioração do cenário. A quantia perdida só não foi maior do que a registrada pela Índia.

“Investidores gostariam de ver o governo no comando da situação. Temos visto o confronto entre o Executivo (federal) e governadores, assim como discussões com o Congresso sobre os estímulos, além de mudanças ministeriais que aumentam as dúvidas sobre a capacidade do governo de continuar com reformas estruturais”, diz Martin Castellano, chefe da seção de América Latina do IFF.

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Procurado para comentar os efeitos da percepção negativa do País no exterior, o Ministério da Economia não se pronunciou.

Para o economista-chefe do IFF, Robin Brooks, o coronavírus se tornou uma “crise de confiança” para o Brasil. Colocar dinheiro no País agora deve ser uma tarefa para “especialistas, loucos, oportunistas de longo prazo e aqueles sem outras opções”, resumiu o economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, em relatório da Gavekal Research, consultoria de investimentos internacional. De acordo com o economista, seria como “correr para um prédio em chamas”. 

EUA decidem barrar quem passou pelo Brasil 

A falta de uma estratégia do governo brasileiro para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus faz com que vizinhos e aliados tomem medidas para isolar o País e se proteger do contágio. O governo americano anunciou ontem a proibição da entrada de viajantes estrangeiros provenientes do Brasil. Entre os vizinhos, o presidente da Argentina (terceiro maior parceiro comercial do Brasil), Alberto Fernández, disse ver o Brasil como um risco à região, enquanto o Uruguai reforçou controles sanitários na fronteira e o Paraguai tenta conter a entrada de brasileiros.

A intenção de limitar passageiros vindos do País vinha sendo mencionada pelo presidente americano, Donald Trump, desde o final de abril. Na sexta-feira, quando a Organização Mundial da Saúde classificou a América do Sul como novo epicentro do vírus, a Casa Branca e o Departamento de Estado americano concordaram em oficializar a restrição, como antecipou o Estadão.

Trump é considerado o principal aliado internacional do presidente Jair Bolsonaro e tem evitado críticas abertas ao brasileiro, mas deixou claro nas últimas semanas que não pouparia o País ao dizer que não queria pessoas “entrando e infectando” o povo americano. A medida anunciada barra estrangeiros que estiveram no Brasil nos últimos 14 dias. A restrição passa a valer a partir das 00h59, no horário de Brasília, do dia 27 de maio, e não tem prazo para terminar. Ainda podem entrar no país aqueles que possuem residência permanente nos EUA, além de cônjuges, filhos e irmãos de americanos e de residentes permanentes.

Atualmente, há apenas 13 voos semanais em operação entre os dois países, contabilizando todas as companhias aéreas. Antes da pandemia, a Latam, sozinha, tinha 49 voos semanais. Com a restrição, as empresas podem continuar a operar as rotas, mas os passageiros que se encaixem na medida não poderão ingressar nos EUA. A tendência, portanto, é que o número de voos seja ainda mais reduzido.

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Na Europa, a desconfiança com o governo Bolsonaro vem desde o ano passado, depois que o presidente entrou em choque com os líderes da França e Alemanha no meio da crise de imagem causada pela alta nos incêndios na Amazônia. 

Diferença

Americanos, no setor público e privado, afirmam que Trump também não foi o melhor líder na condução da crise, ao minimizar o vírus no início do ano e postergar o início de uma resposta coordenada com os Estados. Ao traçar a comparação com o Brasil, no entanto, analistas têm apontado que ao menos Trump se mantém fiel ao corpo técnico que o orienta, enquanto Bolsonaro perdeu dois ministros da Saúde em um mês.

“As pessoas precisam estar preparadas para voltar a trabalhar porque se sentem razoavelmente seguras, não porque estão desesperadas e não têm dinheiro”, afirma Thomas Shannon, que foi o terceiro na hierarquia do Departamento de Estado até 2018 e embaixador dos EUA no Brasil de 2010 a 2013. “O que me preocupa é que temos governos federais que vão reabrir com base no desespero, e não com base na confiança.”

Acordo comercial

A medida de restrição do governo Trump acontece num momento em que os dois países negociam um novo acordo comercial, que não deve envolver mudanças de tarifas. O encarregado de negócios da Embaixada do Brasil nos EUA, Nestor Forster, diz que até o fim do ano é possível fechar um pacote de facilitação de negócios. “É um grande desafio conseguir manter a agenda funcionando com as restrições de encontro presencial, mas posso dizer que temos conseguido até de forma surpreendente.”

Para Shannon, a onda de desaceleração da globalização e o encurtamento das cadeias de produção, que devem surgir como efeito da pandemia, poderiam levar Brasil e EUA a estreitar relações comerciais. Nesse sentido, ele faz elogios ao ministro da Economia, Paulo Guedes. “Ele ainda está trabalhando para abrir a economia, isso é importante.”

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O ex-embaixador reconhece, no entanto, que a perspectiva do avanço comercial pode esbarrar no protecionismo de Trump e no cenário eleitoral, que tende a ser turbulento no segundo semestre nos EUA. A crise política e econômica no governo Bolsonaro gera um outro impasse: a resistência do Congresso americano, que é crítico ao brasileiro.

“Os EUA vão passar pela crise. Acho que o Brasil vai também, mas será mais difícil, porque não está no mesmo estágio de desenvolvimento econômico e político”, diz Melvin Levistky, ex-embaixador dos EUA no Brasil e hoje professor na Universidade de Michigan. 

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