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Pouca mão-de-obra especializada prejudica aéreas

Por Beth Moreira
Atualização:

O forte crescimento do setor aéreo no Brasil nos últimos anos não trouxe problemas relacionados apenas à infra-estrutura para as empresas do setor. A escassez de mão-de-obra especializada em manutenção de aeronaves é outro efeito negativo criado pela expansão do setor. O presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores de Aviação Civil (Fentac), Celso Klafke, afirma que, em razão da falta de trabalhadores, os mecânicos têm trabalhado além do horário limite estabelecido para o setor, colocando em risco a segurança das aeronaves. Estimativa da Fentac mostra que seriam necessários pelo menos 20% mais profissionais que a oferta atual para atender à demanda das companhias aéreas. Klafke afirma que o número de trabalhadores da área de manutenção não cresceu no mesmo ritmo do mercado de aviação civil nos últimos anos. A falta de profissionais habilitados e capacitados para trabalhar no setor tem levado a uma disputa por trabalhadores entre as companhias aéreas e de manutenção. ?As empresas têm feito verdadeiros leilões pelos profissionais?, diz. As regiões com maior carência de mão-de-obra são o Norte e Nordeste. Uma conseqüência do déficit de profissionais de manutenção é a sobrecarga de trabalho com horas excedentes na jornada diária, que é de seis horas para mecânicos de pista e de oito horas para mecânicos de hangar. ?O tempo é esse, mas muitas empresas ultrapassam o limite pela falta de funcionários?, diz Klafke. Segundo o presidente da Fentac, o tempo de trabalho é regulamentado justamente porque há um alto nível de estresse na profissão. Ele avalia que um profissional sobrecarregado tende a elevar o número de falhas nos procedimentos. Apesar de não saber quantificar, Klafke afirma que há denúncias de sobrecarga de trabalho e não-cumprimento de folgas em delegacias de trabalho de todo o País. ?Esse é o maior problema da categoria atualmente?, afirma. Apesar das condições inadequadas de trabalho, Klafke prefere não relacionar o déficit de profissionais ou a sobrecarga de tarefas ao número cada vez mais freqüente de panes em aviões de companhias aéreas brasileiras. ?Este pode ser um fator que leve a falhas, mas não pode ser diretamente ligado a esse tipo de problema?, afirma. Para o presidente da Fentac, o aumento do número de ocorrências de panes em aviões brasileiros deve-se a dois fatores: "A constante busca por economia das empresas e a falta de fiscalização por parte da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Há uma deficiência de profissionais na Anac, o que cria oportunidades para que muitas empresas burlem a legislação?, avalia. Apenas 24% dos funcionários da agência reguladora, nos seus cálculos, são contratados pela própria Anac. O restante é formado por servidores oriundos do antigo DAC e de outros órgãos como a Infraero. O sindicalista ressalta ainda que com o forte crescimento do setor aéreo é normal que o número de acidentes ou incidentes cresça na mesma proporção. Anac responde O gerente-geral de Certificação de Produtos Aeronáuticos da Anac, Claudio Passos Simão, rebate a acusação do sindicato de que a fiscalização do órgão seja falha. Segundo ele, a fiscalização da agência segue os padrões adotados no mundo inteiro. ?Fazemos tanto visitas programadas quanto visitas adicionais sem aviso prévio?, afirma. Com o crescimento da aviação civil no Brasil e no mundo, segundo o executivo, é normal que aumente também o número de incidentes ou acidentes no setor. Passos ressalta, no entanto, que a Anac não considera que isso seja adequado e afirma que o órgão trabalha para minimizar os efeitos negativos da expansão do setor. O executivo diz não acreditar que as companhias aéreas tratem o assunto com descaso, o que em sua opinião, seria um suicídio, porque coloca em risco a própria atividade da empresa. ?Ela vende um serviço de transporte e se não oferecer segurança vai afugentar o passageiro?, avalia. Passos admite, no entanto, que existe um déficit de profissionais, mas ressalta que a escassez de mão-de-obra de manutenção, entre outras modalidades, é um problema que acontece no mundo inteiro e não apenas no Brasil. O gerente afirma que essa é uma preocupação enorme do setor e que a Anac tem procurado encontrar soluções para o problema. O executivo lembra que muitas escolas e universidades, que oferecem cursos na área, participaram da 1ª Feira Anac de Aviação Civil, realizada no início de abril em Brasília. ?Foi uma iniciativa para despertar o interesse dos jovens para a profissão?, afirma. Em relação à falta de profissionais na Anac para cumprir rotinas de fiscalização, Passos informa que a autarquia conta hoje com 400 inspetores atuando em todo o Brasil, todos funcionários concursados. Segundo ele, o órgão já solicitou a realização de novo concurso ao Ministério do Planejamento e aguarda agora autorização para dar andamento ao processo. ?Já recebemos autorização para chamar 104 pessoas do banco de reserva do concurso realizado no ano passado, mas são pessoas que serão distribuídas em várias áreas, inclusive na inspeção?, afirma. A previsão é de que os novos funcionários estejam integrados até meados do ano. O diretor técnico do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), Ronaldo Jenkins, confirma que o Brasil tem hoje um déficit de profissionais da área de manutenção de aeronaves. O executivo defende que o governo, juntamente com a Aeronáutica, volte a oferecer cursos para formação de novos especialistas na área. ?As empresas menores são as mais afetadas pela falta de profissionais?, avalia. Na sua opinião, no entanto, a falta de profissionais na Anac não prejudica a fiscalização dos serviços de manutenção nas companhias aéreas. Apesar de o órgão sofrer com a falta de pessoal, Jenkins afirma que a fiscalização mínima tem sido exercida sem problemas. Para ele, o número crescente de panes em aviões de companhias brasileiras é conseqüência da evolução tecnológica dos equipamentos, que em sua opinião, estão sujeitos a eventuais falhas. Jenkins admite que falhas humanas também podem, eventualmente, contribuir para que ocorram mais incidente ou acidentes no setor, mas destaca que o sistema de manutenção está em permanente aprimoramento para evitar que esse tipo de ocorrência seja registrada. Para a presidente da consultoria Booz Allen Hamilton no Brasil, Letícia Costa, os casos de panes em aeronaves são mais comuns do que se imagina. Ela destaca, no entanto, que muitos deles não afetam a segurança de vôo face às novas tecnologias embutidas nos projetos de aeronaves. ?Todavia, alguns destes problemas refletem, sim, problemas com relação à manutenção?, afirma. Letícia afirma não acreditar que haja descaso das empresas em relação à segurança e manutenção das aeronaves, pois um acidente ou incidente é um dos piores eventos que uma companhia aérea pode passar, tanto do ponto de vista de imagem como de negócios. ?Acredito que o aumento de freqüência reflita o crescimento do setor, os vários gargalos existentes e a maior complexidade destes processos?, avalia. Problemas semelhantes vividos recentemente nos Estados Unidos ainda não foram esclarecidos, mas como lembra a presidente da Booz Allen Hamilton, muito se especula sobre um relacionamento próximo demais entre o FAA, a agência do setor, e as empresas. ?Este tipo de situação, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, dificilmente tem uma razão única, na verdade reflete ineficiência tanto das agências reguladoras quanto das companhias aéreas?, afirma.

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