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Pouco para muito

O governo espera quase tudo das privatizações e concessões, mas é preciso avançar mais rápido

Por Luís Eduardo Assis
Atualização:

Previsão do tempo: ele está passando. Na ausência de medidas de controle, o avanço dos dispêndios obrigatórios está comendo parcela cada vez maior das despesas do governo federal. Para cumprir as metas de déficit primário e as regras da PEC que limita os gastos públicos, a alternativa tem sido espremer os investimentos em infraestrutura, o que pode colocar restrições mais adiante, se e quando a economia voltar a crescer de forma expressiva. Ou seja, se tudo der certo, não importa como, o crescimento poderá ser bloqueado pelo gargalo provocado pela falta de investimentos em setores básicos. A resposta do governo para este paradoxo (“se tudo der certo, vai dar errado”) é acenar com um sortido programa de concessões e participações, de tal sorte a desobstruir o estrangulamento da infraestrutura mediante o concurso do capital privado. O Estado não tem recursos para investir, mas os investimentos privados darão conta do recado, pensa o governo.

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A ideia parece simples – na superfície. Perfurada sua camada ideológica, ela se revela de difícil execução.

Na sua grande maioria, as concessões ao setor privado envolvem atividades em que o monopólio natural impossibilita que a concorrência capitalista promova uma constante busca de eficiência, do que poderia resultar melhoria de qualidade e queda de preços. Assim, cabe ao poder concedente replicar, de forma tão detalhada quanto permitir a imaginação, aquilo que o mercado faz automaticamente. Isso exige um conjunto de regras capazes de, por um lado, manter a atratividade para o capital privado e, por outro, evitar a apropriação de ganhos excessivos em detrimento da qualidade dos serviços. Não é pouca coisa! Na prática, a tarefa se assemelha a recriar condições artificiais extramercado por meio da definição de normas que antecipem, em condições de laboratório, uma extensa pauta de circunstâncias. A redução do papel do Estado na exploração direta da atividade acaba por exacerbar seu papel regulador.

Em obra de 2017 (Reclaiming Public Services: How cities and citizens are turning back privatization), S. Kushimoto e O. Petitjean organizaram um apanhado de 835 casos de concessões e privatizações que fracassaram e tiveram de ser reincorporadas pelo setor público. O levantamento abrange 45 países entre 2000 e 2017. O texto exala em todas as linhas uma admitida simpatia pela participação direta do Estado, mas a leitura é útil para comprovar que privatizações e concessões podem dar errado. Contar com o auxílio luxuoso do pandeiro da iniciativa privada na formulação das regras de concessão é enganoso. Não se deve esperar que o setor privado pense no interesse público – essa tarefa é indelegável. Empresas privadas não só tendem a exacerbar suas exigências para demonstrar apetite na fase inicial, como podem, mais adiante, capturar as agências reguladoras para serem permeáveis a seus interesses. O poder concedente precisa estar aparelhado tecnicamente para enfrentar a pressão por constantes revisões de condições e tarifas, o que nem sempre é o caso. Sem falar da corrupção pura e simples, que é outra história, que fica para uma outra vez.

O governo espera muito das concessões e privatizações – quase tudo. Na lógica do seu radicalismo liberal, elas serão fundamentais para a retomada do crescimento. Não parece ser este o caso, mas para quem pensa assim o esforço que tem sido despendido na discussão de um novo marco legal é insuficiente. Mesmo que não seja a solução mágica, é preciso avançar mais rapidamente. Enquanto se discute, a economia se arrasta, o desemprego continua alto e o tempo passa. Ganhamos todos se o governo entender que deve ter pressa. ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM

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