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Poupança doméstica - hoje a grande restrição

Por Samuel Pessoa
Atualização:

Nos últimos anos a economia brasileira viveu o período mais brilhante de crescimento desde o início dos anos 80. Dependendo do desempenho no 4º trimestre de 2008 a economia fechará o ano com crescimento pouco abaixo de 6%, desempenho que requer duas observações: 1) 6% é muito superior aos 3% a que parecia estávamos condenados em razão de nossa experiência até 2004; e 2) no 3º trimestre de 2008 havia claros sinais de desequilíbrio e de limites à continuidade da trajetória de crescimento tão elevado. Sobre a primeira observação, dois fatores elevaram o potencial de crescimento. O primeiro foi a revisão da metodologia do PIB, divulgada pelo IBGE em março de 2007. Soubemos, então, que o PIB de 2000 havia sido 7% acima do valor dado pela antiga metodologia, e o PIB de 2005, 12% acima. Além de enxergar um valor maior para o PIB, a nova metodologia via uma taxa de crescimento cerca de 1% maior: entre 2000 e 2005, a economia cresceu 5% mais do que esperado. Ademais, o descolamento de 7% em 2000 foi construído entre 1985 e 2000, visto que o PIB medido na velha metodologia em 1985 estava correto - foi o último ano em que houve censo econômico. A mudança metodológica elevou o crescimento potencial de 3% para 4%. O segundo fator foi o choque externo positivo, representado pela elevação do crescimento mundial, que deve ter adicionado outro 1% a esses 4%. Chegamos, portanto, sob condições externas favoráveis, a um potencial de crescimento na casa dos 5%. Por que motivo, então, os sinais de desequilíbrio eram tão claros no 3º trimestre de 2008? A seguinte narrativa descreve o que ocorreu com a economia do País. Desde 2004 três fatores ajudaram a elevar a rentabilidade do investimento na economia: a consolidação do regime de política macroeconômica, representado pelo tripé câmbio flutuante, superávit primário elevado e meta de inflação; a transição política em 2002, que consolidou o regime democrático instituído após a redemocratização; e o choque externo positivo. O setor privado respondeu à melhoria das perspectivas de longo prazo elevando o investimento. Desde meados de 2006 o espírito animal dos empresários produziu taxas reais de crescimento do investimento acima dos 8% ao ano. Se em 2005 investíamos 16% do PIB, passamos a 19%, em 2008. Além disso, a melhoria do cenário e a criação e aperfeiçoamento de mecanismos de crédito elevaram o consumo. A melhora das expectativas produziu elevação autônoma de consumo e investimento. Numa economia que opera abaixo da plena carga (com desemprego aberto da força de trabalho e capacidade ociosa), a elevação dos gastos autônomos eleva a produção. Esta gera os recursos que financiarão os investimentos. E estes criam sua própria poupança. Mas não foi o que se viu. A elevação autônoma da demanda elevou o crescimento, mas produziu valorização do câmbio. O sistema produtivo não foi capaz de fazer frente ao crescimento da demanda, pois não havia previamente uma situação generalizada de desemprego de fatores, e foi preciso elevar as importações para fechar a conta. A poupança externa, que era -2% do PIB em 2005 (exportávamos poupança), eleva-se para quase 1,8% em 2008. Assim, a poupança externa teve de se elevar de 4% do PIB para financiar o crescimento do investimento de 3%, pois a poupança doméstica reduziu-se em 1%. Há analistas que alegam que foram os juros elevados os responsáveis pela valorização do câmbio. Mas de abril de 2005 a julho de 2007 a taxa real de juros (calculada com a inflação esperada) reduziu-se de 13% para 7%! A valorização do câmbio foi causada pela incapacidade do sistema produtivo de absorver uma elevação tão acentuada da demanda efetiva. Para complicar a análise, nesse último período não foi o setor público que contribuiu para reduzir a poupança doméstica e forçar a valorização do câmbio. De 2005 a 2008 a poupança pública elevou-se de 4% do PIB! O último ato da narrativa foi a forte política de acumulação de reservas praticada pelo BC para tentar neutralizar a tendência à valorização cambial fruto do excesso de demanda interna. Ao neutralizar em parte a valorização da moeda criou-se uma pressão inflacionária. O BC teve de iniciar um ciclo de alta de juros. A conclusão é: um forte limitante à manutenção de altas taxas de crescimento é a baixa poupança doméstica que nossa economia tem produzido. Oxalá o diagnóstico e as medidas necessárias para contorná-lo tenham destaque no debate de 2010. *Samuel Pessoa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV - O colunista Celso Ming está em férias

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