PUBLICIDADE

Poupança pode ser insuficiente para suavizar queda do consumo após o fim do auxílio emergencial

Reserva, maior apenas entre as famílias de alta renda, pode não compensar o fim do benefício, que se concentrou entre os mais pobres e foi rapidamente convertido em consumo, apontam economistas

Foto do author Cicero Cotrim
Foto do author Thaís Barcellos
Foto do author Aline Bronzati
Por Cicero Cotrim (Broadcast), Thaís Barcellos (Broadcast) e Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:

O aumento da poupança, visto como determinante para manter a retomada da atividade em 2021 pelo seu potencial de conversão em consumo, pode ser pequeno para compensar a queda de demanda projetada com o fim do auxílio emergencial no ano que vem. A desigualdade no acúmulo da reserva e os efeitos diferentes da pandemia sobre os setores da economia devem reduzir a sua efetividade.

No segundo trimestre, a taxa de poupança do País subiu a 15,5%, ante 13,7% em igual período de 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o primeiro crescimento desde 2013. Embora só haja dados até agosto, 2020 já é o ano de maior captação líquida na caderneta de poupança na série histórica do Banco Central, iniciada em 1995. Até agora, o saldo soma aproximadamente R$ 124,6 milhões, R$ 23 milhões a mais do que os cerca de R$ 102 milhões de 2013, em números do BC corrigidos pelo IPCA. Ao mesmo tempo, o auxílio emergencial já pago pelo governo soma R$ 124,584 bilhões até julho, ou R$ 31,146 bilhões por mês desde abril, segundo números do Portal da Transparência.

Aumento da renda proporcionado pelo auxílio emergencial foi rapidamente convertido em consumo de bens. Foto: Alex Silva/Estadão

PUBLICIDADE

Para o economista-chefe do ASA Investments, Gustavo Ribeiro, a preocupação vem da distribuição dessa poupança formada. Os números disponíveis até agora, diz o economista, indicam que o aumento da reserva ficou concentrado em famílias de alta renda. Nas famílias mais pobres, o aumento de renda criado pelo auxílio emergencial parece ter sido convertido rapidamente em consumo de bens, inclusive com aumento do endividamento.

"A nossa hipótese é de que quem está perdendo renda dcom a pandemia não está aumentando a poupança para suavizar a queda do consumo depois do fim do auxílio. Olhando para o agregado, esse dado não aparece; mas, olhando o dado micro, o que estamos vendo é que quem manteve o emprego conseguiu poupar, mas quem perdeu o emprego não conseguiu aumentar reserva, se endividou e vai ter um colchão pequeno ou colchão nenhum depois do fim do auxílio", diz Ribeiro.

De acordo com o economista, o aumento do consumo de bens vai sustentar a economia em 2020, mas não terá efeitos positivos em 2021. Ribeiro avalia que grande parte da demanda por itens como material de construção e móveis não deve se perenizar no tempo, mas que os serviços vão permanecer deprimidos no ano que vem.

Cautela

A economista-chefe da consultoria A.C. Pastore & Associados, Paula Magalhães, também destaca que o aumento da poupança bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) deve ser observado com cautela. Primeiro, porque ainda é pequeno. Em termos dessazonalizados, afirma, houve crescimento nominal de R$ 10,6 bilhões no primeiro semestre, que, se fosse todo revertido em consumo, daria um impulso de 0,70 ponto porcentual do PIB.

Publicidade

Magalhães também credita esse aumento às faixas de renda mais altas. "A menos que haja mudanças permanentes nos hábitos de consumo, estas pessoas somente voltarão a consumir serviços quando estiverem seguras de que podem abandonar (ou pelo menos relaxar) o afastamento social. Dessa forma, um aumento dos gastos em serviços somente por acaso coincidiria com o final da ajuda de emergência", destaca, em relatório recente da consultoria.

Na ponta mais otimista, o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, afirma que o crescimento da circulação de papel moeda na economia indica que parte da poupança produzida no período pode ter ficado nas mãos da população que recebe auxílio emergencial.

Relatório do banco do fim de julho mostra que há sinais de que as famílias estão guardando recursos sem nenhum rendimento. Em junho ante mesmo período do ano passado, descontada a inflação, o saldo de papel moeda em poder do público avançou 35,3%, enquanto os depósitos à vista cresceram 35,6%, ante as taxas de 0,3% e 9,5%, respectivamente, registradas em dezembro passado. Assim, o M1, que representa o agregado monetário mais líquido da economia, tem ganhado participação no PIB, passando de 6,2% em dezembro para 7,2% em junho.

"A elevação do M1 na economia é compatível com retenção de recursos não utilizados, o que não ocorreu na recessão anterior, em 2015/2016, apesar do aumento de poupança das famílias capturado nas Contas Nacionais naquele período", diz o Bradesco no relatório. Esse é um dos elementos que, na visão de Honorato, devem evitar uma queda do PIB no período, mesmo sem o auxílio emergencial.