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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Pragmatismo e conveniência

O mercado financeiro pode atrapalhar a vida de quem tem ideias que considera erradas

Atualização:

Sofremos um triplo choque entre 2019 e 2021. As commodities subiram 40,5% em dólares. A própria moeda americana se valorizou 38,5%. Por fim, a seca se encarregou de encarecer o custo da energia elétrica residencial em 32,3%, entre outras mazelas. A inflação explodiu. O Banco Central elevou os juros, não obstante a economia estagnada e o alto desemprego. Nessas condições, qual teria sido a política econômica do PT?

É popular entre os economistas do partido a tese de que a política fiscal deve ser expansionista em momentos em que o desemprego é alto. Logo, poderíamos esperar um aumento maior nos gastos públicos (“Gasto é vida”, já dizia a presidente Dilma). No mesmo diapasão, e lembrando que o PT é contrário à independência do Banco Central, provavelmente não teríamos elevação de juros, já que, diz o mantra, a inflação não é de demanda. 

A Bolsa de Valores de São Paulo, B3; investidores sempre seguem o caminho do pragmatismo Foto: Gabriela Biló/Estadão

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O mercado acredita que o desarranjo das finanças públicas aumenta o risco de insolvência. Isso não tem muito sentido, mas as taxas de juros de longo prazo subiriam, forçando o encurtamento da dívida pública. Juros altos para os prazos mais longos também refreariam o nível de atividade, já que contaminariam o crédito privado. Como o dólar é o preço do medo, o fantasma de uma hecatombe fiscal levaria à nova desvalorização, catapultando a inflação para níveis ainda mais altos (é bom lembrar que tudo começou porque a inflação subiu). 

Um Banco Central petista, capa preta, poderia tentar intervir no mercado, vendendo dólar e centralizando as operações cambiais. Seria fogo no canavial. A queda das reservas internacionais adicionaria ainda maior instabilidade. No final das contas, perderia a população mais pobre, sempre mais vulnerável ao aumento dos preços, e perderia o governo que veria erodida sua popularidade – mas ganharia o mercado, que não hesitaria em ficar comprando em dólar e vendendo em juros longos. 

Se o mercado não antecipa esse movimento é porque assume que a política econômica do PT não será, como não foi nos tempos do ex-presidente, petista. O mercado financeiro não tem um projeto para o Brasil. Não lhe cabe esse papel. Mas pode atrapalhar a vida de quem tem ideias que considera erradas. Não por ideologia, mas porque é da sua natureza. O mercado é pragmático por definição. Lula é pragmático por conveniência. “O sapo não pula por boniteza, mas por precisão”, já dizia o provérbio capiau lembrado por Guimarães Rosa.

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*Economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. E-mail: luiseduardoassis@gmail.com

Opinião por Luís Eduardo Assis
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