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Economista e sócio da MB Associados

Opinião|Pré-sal: a transformação que não ocorreu

Atualização:

Em meados da década passada uma euforia tomou conta do governo, a partir da confirmação da existência de grandes reservas de petróleo no chamado pré-sal. Este foi um grande feito técnico da Petrobrás, que se firmou como líder da exploração em águas profundas e fonte de legítimo orgulho por parte da engenharia da empresa e de todos nós. É preciso lembrar que este evento foi contemporâneo ao auge do super ciclo de commodities, puxado pela China, que implicou ganho extraordinário de renda para o País, recriando nas autoridades o sonho do Brasil grande. A megalomania tomou conta do pedaço e tornou-se fatal, como sabemos bem nos dias de hoje. O pré-sal acabou sendo caso clássico de um bônus que se transformou em grande dor de cabeça para o País, especialmente porque virou também o elemento mais importante para o sonho de perpetuação do partido no poder, hoje totalmente revelado pela Operação Lava Jato. Na verdade, o programa de exploração do pré-sal já nasceu comprometido pela excessiva ambição. Ele buscava, ao mesmo tempo: - Produzir muito óleo e gás, muito rapidamente, com a melhor tecnologia disponível, numa geologia difícil e pouco conhecida e a um custo razoável, tudo ao mesmo tempo. -Usar a exploração da nova área para dar um salto na produção industrial, por meio da utilização da obrigatoriedade do conteúdo nacional. O caso da construção naval é o auge do exemplo da ousadia: quando as primeiras encomendas foram feitas, as empresas tinham apenas terrenos e nenhuma experiência na área. A probabilidade de baixa produtividade e má qualidade na construção, além de elevados custos, era muito alta. - Garantir a predominância da Petrobrás e de um alto "take" governamental, obrigando a companhia a deter pelo menos 30% de cada campo e de ser a principal operadora. Como se tudo isso não fosse suficiente, o governo ainda usou a Petrobrás para (tentar) controlar os preços. Isso custou a bagatela de mais de R$ 60 bilhões de geração de caixa da companhia, reduzindo sua capacidade de investimento. Este excesso de objetivos, vários deles evidentemente conflitantes entre si, tornou impossível um resultado bem sucedido, como de fato foi o caso. Mas isto ainda não foi tudo. Vários fatores adicionais estiveram em jogo, a saber: - A companhia não tinha recursos de gestão para tocar tudo a que se propunha. Lembremo-nos que, além do pré-sal, a Petrobrás está em todas as áreas: da distribuição de gás encanado à produção de fertilizantes, passando por etanol, biodiesel, gasodutos etc. Simplesmente não havia capital humano para todo esse esforço. Um exemplo relevante ocorreu durante a gestão Gabrielli: a qualidade da manutenção das plataformas na Bacia de Campos despencou, o que obrigou Graça Foster a montar, no início de sua gestão, um programa de recuperação da produtividade dos campos. A queda na produtividade foi o que impediu a elevação da produção nacional de petróleo por algum tempo, pois a nova produção do pré-sal não conseguiu compensar a queda nos campos antigos. - O populismo do ex-presidente Lula na definição das novas refinarias foi outro quesito relevante. As refinarias Premium 1 e 2, do Ceará e do Maranhão, custaram apenas em estudos quase R$ 3 bilhões, que foram baixados do patrimônio da empresa. As peripécias protagonizadas pelo senhor Chávez na refinaria Abreu e Lima resultaram num ativo com uma concepção de engenharia esdrúxula de refino (pensado para processar óleo venezuelano e da Bacia de Campos), em constantes alterações de projeto e num custo enorme. Em média, as refinarias construídas em meados da década passada custavam U$ 30 mil por barril de capacidade de refino. Abreu e Lima está perto de U$ 90 mil por barril e ainda não está pronta. É claro que a corrupção sistêmica também explica parte deste resultado. O complexo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) é a quarta perna do desastre das refinarias. Um dia valerá a pena contar como um criativo projeto petroquímico a partir do refino do óleo pesado da Bacia de Campos, proposto por Paulo Cunha, do Grupo Ultra, com custo de algumas centenas de milhões de dólares, transformou-se no elefante branco de hoje - que teve R$ 21,8 bilhões baixados do balanço de 2014. - A corrupção sistêmica na empresa, como sabemos hoje, custou muito dinheiro e já é o maior caso mundial dos tempos contemporâneos, um verdadeiro recorde. Afora o custo financeiro, a corrupção sistêmica destrói a eficiência de qualquer companhia. Finalmente, a ambição do programa de investimentos e o controle de preços de combustíveis obrigaram a Petrobrás a se endividar pesadamente. Como a empresa continuou distribuindo dividendos, sua dívida (quase toda em dólares) é hoje a maior do mundo. Há muitos anos Adriano Pires escreve que essa rota era claramente insustentável. A queda no preço do petróleo para a faixa de U$ 50 e a Lava Jato foram o golpe de morte no sonho do Brasil grande. A crise dos dias de hoje tem nos eventos da queda da Petrobrás e a derrocada de sua cadeia produtiva no seu centro. A publicação do balanço de 2014 da empresa é um passo muito importante para o início do resgate da companhia e do segmento de óleo e gás. Construir uma versão segundo a qual a corrupção foi um evento provocado por meia dúzia de pessoas e que uma página foi virada é um engano que vai custar muito caro. O que vem adiante é necessariamente um ajuste defensivo para a Petrobrás, uma vez que, com o novo balanço, o grau de alavancagem da empresa ficará elevadíssimo e terá de ser reduzido nos próximos anos. Serão necessários a redução no programa de investimentos, a venda de vários ativos, cortes variados de despesas e uma política de preços de combustíveis que não traga mais qualquer tipo de congelamento. Ao mesmo tempo, é preciso que o fluxo de pagamentos para os fornecedores seja minimamente retomado, já que há meses muitos projetos não têm suas despesas pagas pela companhia. Além disso, o número de fornecedores que já pediram ou irão pedir recuperação judicial é significativo. O setor de petróleo seguirá sendo muito importante para o País. Ficará longe, entretanto, de ser o puxador de crescimento que se imaginou. Não deixa de ser uma boa notícia para o Brasil.

Opinião por José Roberto Mendonça de Barros
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