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Precisamos comer terra

Temos de entender que só é possível mudar o Brasil saindo de nossa zona de conforto

Por Bernard Appy
Atualização:

Começo minha última coluna do ano com um poema de Manuel Bandeira, um poema sobre a paixão em sua forma mais pura.

Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda parte

Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos

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Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

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Te esperarei com mafuás novenas  cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples

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Que tu desfalecerás Procurem por toda parte Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã.

Tem sido difícil ser brasileiro nos últimos tempos, mas o desânimo não é uma solução. Só com paixão conseguiremos sair desta enrascada. Mas paixão não é radicalização. Não é nos apegando aos nossos preconceitos e privilégios – e rejeitando todas as ideias diferentes das nossas – que encontraremos a estrela da manhã.

A única forma de mudar o Brasil é comendo um pouco de terra. É entendendo que teremos, todos, de ceder um pouco para que tenhamos um país mais justo, produtivo, equilibrado e em que a lei valha para todos.

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Precisamos entender que o mercado não resolve tudo nem é capaz de reduzir as desigualdades sociais, mas que o Estado tem limites e não pode prover tudo para todos.

Entender que nós, que somos mais ricos que a maioria da população brasileira, teremos de perder um pouco para que tenhamos um país onde todos tenham oportunidades. Que teremos de nos aposentar um pouco mais tarde para que nossos filhos e netos também possam se aposentar.

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Precisamos entender que é bom que haja competição em todos os mercados, principalmente no nosso. Que um país justo pressupõe regras iguais para todos, dos direitos civis à tributação, passando pela Previdência. Que políticas sociais são importantes, mas que equilíbrio fiscal, aumento da produtividade e eficiência no gasto público também são.

Entender que o País só pode crescer com regras claras e estáveis. Que ricos devem pagar mais impostos que pobres. Que excesso de discricionariedade na concessão de benefícios com recursos públicos é uma porta aberta para a corrupção. Que o Brasil não está isolado do mundo, o que limita o que podemos fazer. Que privilégios financiados com dinheiro público são uma forma de apropriação privada de recursos que deveriam beneficiar toda a sociedade.

Temos de entender que só é possível combater a corrupção se todos estiverem sujeitos às mesmas regras, a começar pelos políticos. Que a política é importante e nossos votos também. Que somos responsáveis por nossas escolhas e que não podemos nos isentar do que ocorre em Brasília.

Precisamos entender que só é possível mudar o Brasil saindo de nossa zona de conforto. Que apenas ouvindo os outros conseguiremos encontrar uma saída. Que, se resistirmos a reavaliar nossos privilégios e nossos preconceitos, dificilmente avançaremos. Que só com paixão e esforço conseguiremos melhorar nosso país e que para encontrar a estrela da manhã vale tudo, menos orgulho e indiferença. DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

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