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Preços em alta, tensões e intervenções

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

Há poucas semanas ainda havia quem alegasse que a aceleração da inflação não passava de miragem que só o Banco Central conseguia enxergar. Mas, a esta altura, já não há mais quem conteste que a inflação vem ganhando forte impulso nem quem ainda insista em ver a aceleração circunscrita a categorias isoladas de preços. A deterioração do quadro inflacionário combina demanda interna aquecida com choque de oferta adverso, decorrente da persistente elevação de preços de commodities no mercado internacional. No plano macroeconômico, o que agora se discute não é mais se a aceleração da inflação é relevante, mas qual a melhor forma de enfrentá-la. Infelizmente, contudo, parte da equipe econômica ainda se mostra propensa ao auto-engano. Ora parece defender complacência com a inflação. Ora brinca com a idéia de um aumento do superávit primário - sem elevação oficial da meta fiscal - que possa dissuadir o Banco Central de insistir no aperto da política monetária e, de quebra, abastecer um soberano "cofrinho" de mil e uma utilidades. Mais um devaneio estapafúrdio, que já não chega a ser surpreendente. O que, sim, chama a atenção, são as tensões que a alta de preços tem gerado no plano microeconômico. É bem sabido que, há anos, o Brasil se vem beneficiando em grande medida da elevação de preços de commodities. O elemento comum dessa alta generalizada de preços, que abrange alimentos, combustíveis, minérios e insumos industriais de uma forma geral, é a pressão sobre recursos naturais advinda da rápida incorporação de enormes contingentes populacionais da Ásia à economia mundial. Bem dotado de recursos naturais, o País tem tirado bom proveito da bonança. Preços altos de commodities exportadas com custos de produção baixos pareciam sinalizar espaço inesgotável para expansão rentável de exportações, enquanto a demanda externa persistisse. O que não havia sido adequadamente percebido é que a vigorosa demanda por commodities fatalmente se traduziria em forte pressão sobre a oferta mundial de insumos utilizados na produção dessas commodities. O que vem ocorrendo com insumos agrícolas bem ilustra esse desdobramento. A mesma expansão de demanda que sustenta o boom de preços de grãos também sustenta, indiretamente, o aumento vertiginoso que vem sendo observado nos preços de fertilizantes e defensivos agrícolas. No caso dos fertilizantes, a alta de preços vem sendo exacerbada pela alta do petróleo e por restrições à exportação de adubos impostas por grandes produtores, como China e Rússia. Produtos que requerem uso mais intensivo de fertilizantes, como o milho, vêm sendo particularmente punidos. Tendo em conta que o preço do milho já estava pressionado por sua crescente utilização na produção de etanol - cada vez mais estimulada pelo encarecimento do petróleo -, é fácil entender a tensão com o aumento de custos nos ramos de agronegócio que utilizam o milho como insumo. São tensões desse tipo que parecem estar estimulando propostas impensadas de soluções artificiais para as pressões de custo com que agora se debatem certos ramos da exportação agropecuária. É preciso entender que, com todas as dificuldades, o Brasil continua sendo beneficiário inequívoco do boom de preços internacionais de commodities. Tentações de apelar para intervenções do governo - seja nos mercados de produtos agropecuários, seja nos mercados de insumos - devem ser refreadas, mesmo quando racionalizadas pela boa intenção de "estabelecer regra que garanta margens razoáveis de lucratividade" ao longo das cadeias produtivas do agronegócio. O Brasil está fadado a ter papel cada vez mais importante na produção mundial de bens intensivos em recursos naturais. É preciso não perder de vista as amplas oportunidades que o País ainda tem pela frente na exportação de commodities, para não introduzir incertezas desnecessárias que venham a desestimular decisões de investimento na expansão da capacidade exportadora. Há que insistir em soluções de mercado para pressões momentâneas de custo que possam estar afetando a produção de commodities. É fundamental manter regras estáveis, evitar políticas que exacerbem a incerteza e assegurar que, em todos os níveis, produtores tenham incentivos corretos para responder à alta de preços com aumentos de oferta. *Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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