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Preservar o teto é essencial para credibilidade das contas públicas, diz diretor do FMI

Para Vitor Gaspar, Brasil precisa pensar em consolidação fiscal já no médio prazo e promover mudanças estruturais para equilibrar as contas públicas; ele também aponta a importância da imunização para a retomada da economia

Por Ricardo Leopoldo e Correspondente
Atualização:

NOVA YORK - A previsão de crescimento do Brasil de 3,6% para 2021, realizada pelo Fundo Monetário Internacional, pressupõe que o teto de gastos será respeitado pelo governo neste ano, comenta em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Vitor Gaspar, diretor do departamento de Assuntos Fiscais do FMI.

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"O teto de gastos é uma âncora importante da arquitetura fiscal do Brasil e preservá-lo é essencial para a confiança e credibilidade do arcabouço das contas públicas do País", destaca Gaspar. "Caso ocorram pressões mais fortes do que o esperado sobre a economia pela covid-19, nossa avaliação é de que as autoridades devem estar prontas para responder com agilidade, o que vale para o Brasil, mas também para todo o mundo."

De acordo com Gaspar, o Brasil precisará pensar em consolidação fiscal de médio prazo. "Para viabilizar esta estratégia é importante analisar o orçamento de uma forma ampla, de tal forma que torne efetiva a recuperação econômica."

Ele apontou que as mudanças estruturais devem se basear em quatro pilares: reduzir rigidez do orçamento, racionalizar programas sociais que já existem, aprimorar o arcabouço das contas públicas subnacionais e implementar a reforma tributária. O diretor do FMI ressalta ainda ser necessário acelerar a vacinação contra o coronavírus em todos os países, pois é ela que viabilizará o controle da pandemia e tornará mais rápida a recuperação econômica. Veja os principais trechos da entrevista:

O diretor do departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Vitor Gaspar. Foto: Michel Spilotro/FMI

O senhor acredita que o governo brasileiro respeitará o teto de gastos em 2021?

O teto de gastos é uma âncora importante da arquitetura fiscal do Brasil e preservá-lo é essencial para a confiança e a credibilidade do arcabouço das contas públicas do país. Ao mesmo tempo, a pandemia do covid-19 não tem precedentes e justificou em todo o mundo a mais forte e rápida resposta fiscal da história. Neste contexto, em 2020, as autoridades brasileiras declararam estado de calamidade pública por causa da pandemia e adotaram o que ficou conhecido como 'orçamento de guerra', que permitiu a separação das despesas relativas à covid-19 do orçamento tradicional do governo. Esta ação foi apropriada dada a urgência, o tamanho e a dinâmica dos efeitos provocados pelo coronavírus. Nossas projeções apontam que em 2020 ocorreu forte elevação da dívida pública, mas temos a previsão de que ela deverá baixar em 2021 e deve ter uma trajetória relativamente estável no médio prazo.

Devido à importância do teto de gastos no Brasil, nossa avaliação é de que as autoridades do país querem preservar seu papel de âncora das contas públicas em 2021 e vão querer respeitá-lo neste ano. Caso ocorram pressões mais fortes do que o esperado sobre a economia pela covid-19, nossa avaliação é de que as autoridades devem estar prontas para responder com agilidade, o que é verdadeiro para o Brasil, mas também em todo o mundo.

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Dentro da previsão do FMI para o crescimento do Brasil de 3,6% neste ano está pressuposto o cumprimento do teto de gastos em 2021?

Sim, exatamente.

Quanto será negativo para a economia e as perspectivas fiscais do País se o governo não cumprir o teto de gastos neste ano?

Vemos esta questão como o equilíbrio entre dois objetivos: um deles é assegurar a sustentabilidade da dívida pública e controlar os riscos às finanças do governo. Por outro lado, há a necessidade de apoiar o sustento de famílias e das empresas que foram duramente atingidas pela pandemia. O importante é o Brasil navegar de forma segura durante a transição para um novo modelo de crescimento mais resiliente e inclusivo. A administração deste trade-off é importante. A ancoragem do papel do teto de gastos é reconhecida, mas, ao mesmo tempo, para conseguir apoiar a população e a economia sob elevadas incertezas, as autoridades precisam estar prontas para reagir com agilidade para prover ajuda caso seja necessário se as condições econômicas estiverem menos favoráveis.

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Quanto será importante para a recuperação da economia que o governo acelere a vacinação da população contra o coronavírus?

Esta é uma questão relevante para o Brasil e para o mundo. Vacinação é um bem público, porque a covid-19 não estará definitivamente sob controle em qualquer lugar se não for dominada em todos os lugares. Quanto mais cedo o coronavírus for controlado, mais cedo a economia se recuperará e trabalhadores, famílias e firmas terão condições de se manter sem a ajuda do governo. A sustentabilidade das contas públicas e o avanço do crescimento inclusivo dependem da vacinação e do controle do covid-19.

Há muitas incertezas no Brasil sobre o avanço da vacinação pelo governo. Em qual magnitude a lentidão deste processo prejudicará a economia no curto prazo?

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Em meio à pandemia, há muitas incertezas, pois já surgiram novas variantes do vírus, inclusive no Brasil. Em relação às vacinas, ainda estamos aprendendo muito sobre a eficácia, embora estejamos no processo de vencer a covid-19.

Mas o senhor, como diretor do FMI, está cético ou confiante de que a campanha de vacinação no Brasil vai acelerar?

Eu acredito que acelerar o processo de vacinação é importante no Brasil como é em todos os países.

Como o senhor avalia as perspectivas de aprovação pelo Congresso de reformas no Brasil neste ano, especialmente a tributária?

O Brasil precisará pensar em consolidação fiscal de médio prazo. Para viabilizar esta estratégia é importante analisar o orçamento de uma forma ampla, de tal forma que torne efetiva a recuperação econômica. As reformas devem se basear em quatro pilares: reduzir rigidez do orçamento, racionalizar programas sociais que já existem, aprimorar o arcabouço das contas públicas subnacionais e implementar a reforma tributária.

A reforma do sistema tributário no Brasil pode ajudar a reduzir a alocação inadequada de recursos públicos e privados, melhorar o ambiente de negócios e fortalecer a administração de receitas oficiais. Os incentivos fiscais no País são muito importantes, alcançam quase 5% do PIB, e são distorcivos, desiguais e tornam o sistema tributário nacional extremamente complexo. O sistema tributário pode tornar-se mais eficiente, mais amigável ao crescimento e ser mais progressivo. É necessário harmonizar os regimes tributários federal e subnacionais que são fragmentados e permitir alguma unificação na administração de tributos. O imposto de renda poderia ser revisto e tornar-se mais progressivo.

O senhor acredita que o governo pode avançar reformas fiscais neste ano?

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Eu não sei, mas a reforma do sistema tributário é muito importante e é um dos elementos fundamentais para a estratégia fiscal de médio prazo do Brasil.

A melhora de previsão de crescimento do País em 2021 pelo FMI foi o principal fator que levou o Fundo a reduzir para este ano as projeções como proporção do PIB para o dívida pública bruta, de 102,8% para 92,1%, e para o déficit nominal, de 6,5% para 5,9%?

Três fatores colaboraram para as previsões para estes dois indicadores para 2021. Um deles foi que ocorreu alguma melhora na perspectiva do resultado primário com um desempenho acima do esperado de receitas, dado que a retração do nível de atividade no ano passado foi menor do que o previsto. Aconteceu também uma revisão das séries temporais para o PIB pelo IBGE, o que gerou uma nova base para as contas nacionais. Também foi importante a revisão para a cima das projeções de crescimento do Brasil pelo FMI de 2,8% para 3,6% em 2021.

Como o senhor avalia as perspectivas econômicas para o Brasil neste ano?

O comentário que se aplica para o Brasil é adequado também para todas as partes do mundo. O coronavírus tornou as ações das autoridades extremamente difíceis, com foco para responder a impactos econômicos que não têm precedentes e que estão atuando em um ambiente repleto de incertezas. Esta é a razão pela qual muitas organizações, como o FMI, não publicam apenas uma projeção, mas também cenários alternativos. Neste momento, devemos oferecer apoio e solidariedade para aqueles que são mais vulneráveis à pandemia e estar prontos para atuar de forma cooperativa.