23 de setembro de 2021 | 10h00
RIO - Presidente da Ipiranga e do conselho de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Marcelo Araujo considera natural o fato de a alta no preço dos combustíveis ter entrado na agenda política do Brasil nos últimos meses. “O que afeta muito a sociedade acaba sendo um tema político”, diz. Entretanto, ele é categórico ao afirmar que “não dá para fazer milagre” sem mudar questões estruturais do setor que impedem uma queda efetiva dos combustíveis.
Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, o executivo afirmou que o primeiro passo seria mexer no sistema tributário do setor, principalmente, no ICMS. “Temos o sistema de tributação de combustíveis mais complexo do mundo”, afirma.
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Os combustíveis estão, frequentemente, na mira do presidente da República, Jair Bolsonaro. Na semana passada, foi a vez de o presidente da Câmara, Arthur Lira, questionar “onde está o problema”, durante um evento virtual.
Na entrevista, Araujo fala também sobre regulação, investimentos e sonegação no setor. Leia a seguir os principais trechos:
Temos questões conjunturais que estão afetando os preços neste momento, por isso, eles estão num patamar historicamente muito elevado. As conjunturais são o câmbio, os altos preços das commodities, que pressionam também os biocombustíveis. Para essas há soluções macroeconômicas. Mas as estruturais não serão resolvidas se a gente não mudar algo.
O primeiro entrave é tributário. Temos o sistema de tributação de combustíveis mais complexo do mundo. O ICMS é de uma complexidade ainda maior, porque obedece a legislações estaduais específicas e é calculado a partir de um porcentual sobre um preço de venda ao consumidor. Quando o produto fica mais caro, aumenta a volatilidade do tributo. Isso estimula a sonegação.
A simplificação desse processo facilitaria. Essa é uma solução estrutural que reduz preço. A proposta que vem sendo discutida, inclusive o governo colocou isso em dois projetos de lei, é a unificação das alíquotas de ICMS, que passaria a ser fixa por volume e não mais em cascata em toda cadeia. Essas medidas são fundamentais para o País porque reduzem estruturalmente os preços dos combustíveis. Essa é a forma como a maioria dos países tributa os combustíveis. Com o PIS/Cofins (impostos federais) já é assim.
Este é o melhor momento para fazer essa discussão, porque todos estão sentindo na pele (a alta no preço dos combustíveis). É mais uma questão de coordenação política. Combustível é a principal fonte de receita dos Estados. Não adianta colocar a culpa no petróleo (insumo dos combustíveis). O barril está a US$ 73. A média dos últimos dez anos foi de US$ 70. Não defendemos modelos de preços artificiais porque eles não se sustentam no tempo.
Investimento de um lado e reestruturação tributária de outro é o que resolve o problema. Não dá para fazer milagre. Não dá para ficar inventando um artificialismo que resolve o problema conjuntural, mas não ataca o estrutural e que tem vida curta, porque alguém vai pagar essa conta lá para frente.
O que afeta muito a sociedade acaba virando um tema político. O debate público é muito bem-vindo. Temos que ampliá-lo. Precisamos tratar da questão tributária. A outra forma de atacar o problema é com investimentos. Isso aumenta a eficiência do sistema. Mas, para isso, é preciso ter previsibilidade regulatória.
A intenção da MP (Medida Provisória 1069/21, que antecipou mudanças de regras que ainda estavam sendo discutidas no Congresso e na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, ANP) não está errada, apesar de a gente achar que o impacto no preço será praticamente nenhum. As medidas adotadas não têm abrangência estrutural. O principal problema é que a opção por MPs e decretos atropela os ritos da agência reguladora do setor, de realização de consultas públicas, debates e análises técnicas profundas. Isso afasta o investimento.
O setor precisa de quase R$ 100 bilhões de investimento nos próximos dez anos para atender à demanda de combustíveis no Brasil e para que ele continue sendo eficiente em baixo custo. Temos um sistema eficiente, mas ainda de alto custo, porque ainda é sobre rodas, há poucos modais sendo usados.
O sistema já é muito eficiente. De janeiro a agosto deste ano, a gasolina ficou 52% mais cara nas refinarias. Esse é um dado da ANP. O etanol hidratado subiu, em média, 53%. Enquanto, na bomba, a gasolina subiu 28% e o etanol, 35%. Isso já é a competitividade do sistema funcionando. Isso tudo está comprimindo as margens do sistema, aumentando o desafio financeiro de distribuidoras e revendedores. Esse não é o segmento que está causando o aumento de preços.
Não somos contra a venda direta de etanol (de usinas) para os postos. A grande preocupação é com a tributação. O modelo atual prevê uma parte da tributação no produtor e outra no distribuidor. Se a venda é direta ao revendedor, é preciso assegurar que o produtor vai recolher as duas partes. Para isso, será necessário adaptar as legislações estaduais do ICMS. Isso pode contribuir para aumentar a sonegação num momento já de muito desgaste.
Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Essa medida fere princípios fundamentais. O primeiro é o direito de liberdade de relação comercial entre agentes autônomos. A medida ainda pode confundir o consumidor, que vai entrar num posto de determinada marca e acabar comprando algo de origem e qualidade desconhecidas.
Ela é fundamental. À medida que a Petrobras desinveste, vai haver novos investidores. Naturalmente, eles vão fazer muitos investimentos para aumentar a capacidade e competir. Isso será um grande injetor de capital e de dinâmica competitiva na nossa indústria e vai se repetir também em infraestrutura para assegurar o acesso contínuo aos produtos necessários para atender os seus clientes. O programa de desinvestimento da Petrobras é um grande catalisador dessa transformação do setor de combustíveis no Brasil.
O consumidor, cada vez mais, busca soluções que resolvam a maior parte dos seus problemas em menos provedores de serviço. A tendência é o uso de aplicativos de pagamento e programas de fidelidade, que vão fazer com que os preços sejam cada vez mais individualizados, dependendo do grau de relacionamento do consumidor com a marca, com o aplicativo e com o programa de fidelidade. Ainda temos que avançar no sistema de automação da cadeia. Temos que colocar em discussão a automação das bombas, dos tanques e a integração disso com os serviços de pagamento.
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