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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Pressões pela taxação de operações digitais

É forte a tendência de haver um imposto global sobre as grandes empresas

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Atualização:

A semana que passou trouxe duas novidades a respeito da necessidade de criação de um imposto global sobre grandes empresas. (Não confundir com imposto sobre grandes fortunas.)

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Ainda que falte muito para um acordo entre países para uma convergência sobre o assunto, a tendência para que algo aconteça é forte, especialmente agora que os Tesouros nacionais estão quebrados pelo impacto da pandemia e, por toda aparte, as autoridades da área fiscal estejam batalhando compulsivamente por mais receitas.

A primeira novidade é a proposta de economistas de renome, como Joseph Stiglitz, Thomas Piketty, Jayati Ghosh e José Antonio Ocampo, que defendem um acordo global para cobrar impostos de multinacionais que deslocam seu faturamento para paraísos fiscais ou para países de baixa tributação.

A outra novidade é que o governo dos Estados Unidos quer paralisar as negociações no âmbito da Organização paraCooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que têm por objetivo cobrar um imposto internacional sobre as gigantes da tecnologia digital, como Google, Apple, Facebook e Amazon. O argumento para essa cobrança é o de que essas empresas não pagam mais do que 9% de impostos, enquanto as empresas comuns não escapam de menos de 23%.

Estados Unidos e França entram em desacordo sobre imposto global para taxar as grandes empresas Foto: Marcos Müller/Estadão

Essas duas propostas enfrentam uma anomalia, digamos assim. Até agora, na história dos Fiscos, todos os impostos são cobrados dentro de fronteiras geográficas que delimitam a soberania tributária (princípio de territorialidade). A ideia de passar a cobrar de empresas que não se localizem no país seria uma importante inovação. 

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A maior diferença entre as duas propostas é que a dos economistas tem como alvo todas as grandes empresas, enquanto a discutida entre as potências mundiais se limita a cobrar as megaempresas de tecnologia digital.

O projeto da OCDE vem sendo discutido há alguns anos e esbarra sempre na falta de vontade política dos Estados Unidos de ver suas empresas submetidas a impostos cobrados por outras potências. Afora isso, todos são contra os paraísos fiscais dos outros, mas fazem questão de proteger os próprios. Num momento em que todas as iniciativas multilaterais vêm sendo questionadas pelo governo Trump, especialmente a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), parece mesmo difícil um acordo global imediato.

A OCDE e oGrupo dos 20 países mais ricos, em paralelo com o FMI, foram convocados para estudar o tema dos paraísos fiscais e para propor soluções aos Estados Foto: Public Domain

Na falta dele, países como França e Reino Unido já avisaram que tomarão decisões unilaterais. E, sempre que são decisões unilaterais, três coisas podem acontecer: múltiplas taxações (cada país com a sua), o que pode provocar excesso de taxação; exclusão de grandes empresas, como seria o caso da chinesa Alibaba e eventualmente outras que viessem a aparecer; ou o uso dessa decisão como pretexto para retaliações comerciais, como sugerem as ameaças do governo Trump contra a disposição da França nesse sentido.

O projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o Brasil é de criação de um imposto sobre operações digitais, nos moldes da antiga CPMF, não sobre grandes empresas, mas sobre um universo digital mais amplo, que ainda não está claro. Não tem a ver nem com a proposta dos economistas liderados por Stiglitz nem com o projeto que se discute na OCDE, embora este seja também objeto de estudos no Grupo dos 20 (G-20), do qual o Brasil também faz parte. Mas essa proposta do ministro Guedes já parece estar sob a mira do governo Trump, na medida em que atinge também produtos das Big Techs dos Estados Unidos.

Duas são as principais considerações afazer sobre o assunto. A primeira delas é que são tantos os obstáculos políticos a enfrentar, que um acordo para criação de um imposto global dessa natureza parece muito distante. Nem a União Europeia, o bloco de países mais integrado do mundo, conseguiu uma união fiscal mínima entre seus membros. Ou seja, se algo sobre isso acontecer, será mais provavelmente por iniciativa unilateral. A França parece mais perto disso.

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Segunda consideração: por mais que se repita que o processo da globalização esteja sendo truncado e possa entrar em colapso, as relações econômicas internacionais já são tão intrincadas e passaram a impor uma situação de interdependência tão forte entre países, que fica difícil evitar grandes acordos globais. Mais cedo ou mais tarde, iniciativas unilaterais nesse sentido produziriam tantas distorções que apenas um acordo multilateral poderia prevalecer.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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