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Opinião|Definir qual é o sistema mais 'justo' para a Previdência é tarefa muito difícil

É importante que a reforma da Previdência tenha vingado, porém, quem conhece os números sabe que as regras terão que ser revisitadas

Atualização:

Definir o que é “justo” é uma das coisas mais difíceis do mundo. Pergunte-se a diversas pessoas que morem no Oriente Médio qual seria a forma “justa” de resolver o conflito entre israelenses e palestinos e se perceberá como a divergência acerca de interpretações sobre o tema pode, no limite, causar guerras entre os homens. Em termos mais prosaicos, qual é uma alíquota superior “justa” do Imposto de Renda? 27,5 %, como no Brasil? Menos? Mais?

Utilizo esta abertura, deixando um pouco de lado o pandemônio grotesco da política nacional, para retomar um assunto que está presente nas minhas colunas, de vez em quando, por ser algo que interessa a todos os brasileiros: a Previdência – afinal de contas, todos ou somos aposentados ou aspiramos a sê-lo algum dia, além de termos parentes próximos nessa situação.

Reforma da Previdência aprovada em 2019 ainda deixou lacunas que precisam ser revistas no futuro próximo Foto: Werther Santana/ Estadão

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Há muita gente que considera que o sistema mais “justo” – utilizo as aspas aqui porque o conceito admite diversas interpretações – de Previdência seria a capitalização. Naturalmente, entendo o argumento. A ideia de que quanto ganharemos na aposentadoria deveria depender única e exclusivamente do próprio esforço é não apenas lógica, como tentadora. Assim, não haveria como “dar um jeitinho no INSS”, nem aposentadorias privilegiadas, etc. 

Vale aqui, porém, um velho ditado: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a vã filosofia”. A questão é que, no mundo real, as coisas nunca são simples como parecem à primeira vista.

Pense o leitor que é a favor de uma capitalização “pura” na seguinte situação. Imagine o caso de alguém que começa a contribuir aos 25 anos e, aos 30, sofre um acidente grave que o incapacita para o trabalho. Pergunto: seria “justo” que essa pessoa, por um azar da vida, passasse a receber o equivalente a uma aposentadoria por invalidez calculada apenas em função do que contribuiu? Convenhamos que, com 5 anos de contribuição, aos 30 anos, tendo a possibilidade de viver mais 50, a aposentadoria, matematicamente, teria de ser muito pequena para “caber” no valor permitido por um período contributivo tão curto. Tenho certeza de que o leitor concordará que é natural que o sistema ampare esse indivíduo. E, certamente, um leitor mais familiarizado com esse tipo de tema dirá, com razão, que a forma certa de tratar do assunto é mediante a contratação de um esquema de seguro, para cobrir esse tipo de riscos. O meu ponto aqui é outro: mostrar ao leitor que, quando se trata de questões que:

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  1. mexem com a enorme maioria da população; e
  2. são altamente sensíveis; a matemática financeira não é a única coisa que conta. Valores como solidariedade entram em jogo e, numa democracia, isso se entrelaça com questões sociais e políticas de todo tipo.

Tentei, durante mais de 25 anos, sem muito sucesso, que no debate público a Previdência deixasse de ser objeto de tanto viés político e fosse tratada com um pouco mais de racionalidade, ainda que compreendendo a elevada sensibilidade social que marca a discussão do tema. 

Por um transcurso que não há espaço aqui para explicar em detalhes, sistemas originalmente de capitalização, no Brasil e no mundo, acabaram virando modelos de repartição. Em 2019, o País aprovou a reforma mais importante sobre o tema desde a redemocratização de 1985. Foi uma boa reforma, na direção correta, e é muito importante que tenha vingado. Porém, quem conhece os números sabe que as regras terão que ser revisitadas, num futuro que, ainda que não seja em 2023, não deveria estar muito distante, porque a reforma ainda deixou lacunas – embora não no campo da aposentadoria por tempo de contribuição, já bem equacionada. Quando esse dia chegar, em 2027 ou 2031, será importante que a questão possa ser abordada com realismo, procurando um equilíbrio entre o papel relevante do Estado como elemento redistributivo e a realidade fiscal que, no que tange ao INSS, continuará a mesma. Ainda voltaremos a tratar do tema em outras oportunidades, neste espaço.

* ECONOMISTA

Opinião por Fabio Giambiagi
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