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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Prioridade zero

Governo está ocupado em construir catedral de erros e omissões na preservação do meio ambiente

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Atualização:

O papa Leão X ofereceu com prodigalidade indulgências a quem contribuísse financeiramente para a construção da Catedral de São Pedro, em Roma. Na doutrina católica, a indulgência não é uma licença para pecar, nem absolve o pecador da culpa. Trata-se de mera compensação temporal dos efeitos do pecado, que não dispensa o pecador de buscar a absolvição por meio da confissão. 

O mercado de crédito de carbono é muitas vezes comparado às indulgências. A comparação é inexata, já que nesse caso estamos falando claramente da compra do direito de poluir. Há anos se discute a regulamentação de um mercado em que empresas poluidoras possam comprar créditos de carbono de atividades que capturam CO2 do meio ambiente, de forma a minimizar ou eliminar seu impacto. A tese é boa, mas os detalhes são infernais. 

Vista aérea da Amazônia; mercado de crédito de carbono é questão global, e legislações locais precisam estar articuladas entre si Foto: Bruno Kelly/Reuters

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Em primeiro lugar, como a questão é global nada vai funcionar se as legislações locais não estiverem articuladas entre si. Do contrário, corremos o risco de concentrar empresas poluidoras em determinados países, nos quais a legislação é mais branda. Seria o equivalente aos paraísos fiscais, com a diferença que nesse caso ninguém ganha. Além disso, para valer de verdade é preciso que as atividades dos vendedores de crédito de carbono sejam viabilizadas apenas porque elas venderam suas “indulgências”. O impacto sobre o meio ambiente será nulo, se estes projetos pudessem existir de qualquer forma, sem o incentivo do crédito de carbono. Também é alto o risco de que a preservação, por exemplo, de uma área de floresta viabilizada pela venda do carbono tenha como efeito prático apenas o deslocamento da devastação para uma área contígua.

Buscar uma concertação entre vários países na busca de uma solução consistente é uma enorme tarefa. Até agora, o resultado é modesto e o que predomina é o marketing de empresas que se vangloriam de salvar o mundo, mas que são incapazes de sustentar suas frouxas convicções quando os lucros são ameaçados (é bom lembrar que pessoas jurídicas não vão para o céu).

A Câmara Federal debate o PL 528/21, que busca regular o comércio de emissões, com relatoria da deputada Carla Zambelli, do PSL. O governo trata esse assunto com o dinamismo de um caramujo. Em pensamento, palavras e obras, está ocupado em construir uma catedral de erros e omissões na preservação do meio ambiente. Sem a regulamentação, perderemos a chance de expiar nossas culpas. 

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*Economista, foi Diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. Email : luiseduardoassis@gmail.com 

Opinião por Luís Eduardo Assis
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