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‘Com a privatização, a Eletrobras deve triplicar o investimento’, diz ex-presidente da estatal

Para o executivo, a operação vai destravar o crescimento da empresa, ampliar seu acesso ao mercado de capitais e dar mais flexibilidade na gestão

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Por José Fucs
Atualização:

O ex-presidente da Eletrobras Wilson Ferreira Jr., hoje comandante da antiga BR Distribuidora, rebatizada como Vibra após a privatização, em 2019, conhece o setor de energia como poucos no País. Com longas passagens pela Cesp (Companhia Energética de São Paulo) e pela CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), na qual também ocupou a presidência, ele encaminhou a desestatização da Eletrobras ainda no governo Temer, mas deixou a empresa cinco anos depois, já no governo Bolsonaro, sem ver o negócio acontecer.

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Nesta entrevista ao Estadão, Ferreira Jr. fala sobre o destravamento da operação, marcada para 13 de junho, o modelo de capitalização e as perspectivas da empresa sob gestão privada. Segundo ele, com a privatização, a Eletrobras poderá mais do que triplicar o volume de investimentos, de R$ 4 bilhões para R$ 15 bilhões ao ano.

Ferreira Jr comenta, também, o impacto da privatização nas tarifas de energia, as iniciativas de Bolsonaro para baixá-las e a possibilidade de os trabalhadores usarem parte do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) na compra de ações da companhia. “Se tivesse FGTS, eu investiria”, afirma.“Hoje, a Eletrobras é negociada por 80% do valor patrimonial. Acredito que ela vai chegar muito rapidamente na média do mercado, de 150% do valor patrimonial, porque o investidor verá uma perspectiva de crescimento de uma empresa de energia renovável, como a Eletrobras, e vai se dispor a pagar um prêmio por isso.”

Ferreira Jr. diz que a capitalização é a melhor forma de fazer a privatização da Eletrobras Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Em sua gestão na Eletrobras, o sr. preparou a empresa para a privatização. Mas deixou o comando sem ver o negócio acontecer. Agora, finalmente, a privatização deve sair. Como o sr. vê esta perspectiva?

Acho muito positiva. Hoje, como empresa estatal, a Eletrobras não consegue ser tão competitiva quanto uma empresa privada. Ela pode até querer, mas não consegue. A gestão é muito engessada. Se houver um monte de projetista que só faz desenho em prancheta e a companhia quiser acabar com o setor, porque não faz mais sentido mantê-lo, ela não pode. Só conseguirá fazer isso por meio de um programa de demissão voluntária. O mesmo aconteceria se ela quisesse automatizar uma usina e precisasse cortar pessoal. Quando tem de renegociar um contrato, o pessoal fica com medo, porque pode ser acusado de ter pago um preço maior do que deveria. Hoje, numa reunião de diretoria, para analisar um projeto ou tomar uma decisão, você precisa de uma série de pareceres das áreas de compliance (conformidade), auditoria, finanças. É um inferno.

Além de facilitar a gestão, de que outras formas a privatização pode beneficiar a Eletrobras?

Com a privatização, a Eletrobras poderá triplicar sua capacidade de investimento e ter maior acesso ao mercado de capitais. Hoje, se quiser ter uma participação acionária numa usina, por exemplo, ela não vai conseguir, porque o governo terá de botar dinheiro na companhia e não tem recursos. Isso trava a capacidade de crescimento da empresa. Hoje, a Eletrobras tem capacidade de investir R$ 4 bilhões por ano de forma sustentável, mas precisa de R$ 15 bilhões apenas para manter a sua participação de mercado, de 30% na geração e 45% na transmissão de energia. Como a capacidade total de investimento do governo é de cerca de R$ 30 bilhões por ano, ele teria de direcionar para a Eletrobras 1/3 de tudo o que tem disponível. Teria de deixar de investir em saúde e em educação para atender às necessidades de investimento da Eletrobras. Não tem cabimento.

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Há também uma forte pressão política sobre a empresa, especialmente em relação às tarifas de energia. Como o sr. analisa esta questão?

Como a Eletrobras é estatal, a população acha que a empresa é sua ou do governo e que ele pode fazer o que quiser. Só que a Eletrobras, como a Petrobras, é listada em Bolsa e tem um grande número de investidores privados, que esperam a busca do nível máximo de eficiência, para gerar o nível máximo de benefício. Na verdade, o governo não pode fazer o que o pessoal acha que ele deve fazer. Quando assumi a presidência da Eletrobras, em 2016, não imaginava que uma estatal fosse tão refém da opinião pública.

Hoje, o valor da Eletrobras é muito baixo, porque os investidores têm medo de comprar ações de uma estatal

O sr. acredita que, com a privatização, haverá uma valorização da companhia?

Não tenho dúvida disso. Hoje, o valor médio de mercado das empresas listadas na Bolsa de São Paulo, a B3, é equivalente a 150% do valor patrimonial. O investidor paga um prêmio quando acredita que uma empresa é bem administrada e ele consegue ver uma boa perspectiva para ela no futuro. A Eletrobras é negociada a 80% do valor patrimonial, porque o investidor não vê um futuro promissor no horizonte. Com a privatização, isso deve mudar. O cara diz: “Agora tem uma gestão privada lá. A empresa terá uma gestão de custos melhor do que antes, vai fazer investimento, usar a sua capacidade de acessar o mercado de capitais, administrar a sua dívida de forma prudente e inteligente, e vai crescer”. O que vai acontecer com o valor da ação? Eu acredito que vai chegar muito rapidamente na média do mercado, de 150% do valor patrimonial, porque o investidor verá uma perspectiva de crescimento de uma empresa que está no mercado de energia renovável, como a Eletrobras, e vai se dispor a pagar um prêmio por isso. Aí, se no futuro o governo quiser vender as ações que manteve da companhia, poderá vender pelo novo preço.

O sr. acha que é uma boa opção investir uma fatia do FGTS em ações da Eletrobras?

Se tivesse FGTS, eu investiria. O valor da Eletrobras hoje, como eu disse há pouco, é muito baixo. Por que? Porque os investidores têm medo de comprar ações de uma estatal. Acham que o governo pode fazer alguma bobagem.

Em sua visão, haverá interesse dos investidores estrangeiros pela operação, no atual cenário político e econômico, aqui e lá fora?

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Com certeza. Quem investe neste setor está preocupado com retorno de longo prazo. Esta é uma operação estrutural para a companhia, para o setor elétrico brasileiro. Quem é o investidor típico de uma empresa como a Eletrobras? São fundos de infraestrutura, fundos de energia, fundos de pensão, cujo objetivo é ter uma rentabilidade regular, para cobrir suas metas atuariais. Eles sabem que a Eletrobras não é uma companhia que terá um lucro extraordinário. É uma concessão. É uma atividade regulada. Mas acreditam que a empresa deverá melhorar o seu desempenho, porque não vai mais vender energia a preço vil, mas a preço de mercado.

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Qual a sua avaliação sobre o modelo de capitalização adotado para a privatização da Eletrobras?

O modelo é perfeito. Acredito que a capitalização é a melhor forma de fazer a privatização. Você pode vender a empresa para um único comprador ou fazer o processo de venda por meio da diluição da fatia do controlador via mercado de capitais, criando uma corporation. Desde o governo Temer, a ideia sempre foi fazer a privatização da Eletrobras via aumento de capital e pagamento de outorga. Desta forma, é possível diluir a participação do governo, que não participará da operação. A Eletrobras vai emitir novas ações, algo na casa de R$ 25 bilhões, e com o que ela captar vai pagar o valor da outorga ao governo. Com isso, a fatia da União na companhia, hoje na faixa de 70% do capital, deverá ficar em torno de 45%. O governo não será mais o controlador, mas continuará tendo as mesmas ações que tem hoje. Outro bloco, que será privado, terá os 55% restantes.

A gente deveria fazer termoelétrica onde já tem gasoduto e não onde não tem

Por que a Eletrobras vai pagar esse valor de outorga ao governo?

A Eletrobras não está sendo vendida. A privatização vai ocorrer de forma indireta. É importante mostrar isso. O valor da outorga será pago à vista ao governo pela renovação da concessão de 22 usinas hidrelétricas, por 30 anos, e pela adoção de um novo regime de operação. Os novos contratos serão assinados pelo regime de produção independente, pelo qual as usinas poderão vender energia a preço de mercado, participar de leilões do setor e atender o consumidor livre, que pode contratar o fornecimento de qualquer fonte de geração, a partir de uma demanda mínima. O regime de produção independente vai substituir o de custo ou de cotas, adotado no governo Dilma, que obrigou as usinas a vender por R$ 35 o megawatt/hora. É para comprar este direito de vender energia a preço de mercado que a Eletrobras vai pagar R$ 25 bilhões à União. Outros R$ 30 bilhões serão transferidos ao longo de 25 anos à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que garante recursos para amortecer eventuais aumentos de tarifa, e mais R$ 10 bilhões serão direcionados ao longo de dez anos a três fundos voltados para a redução de custos de energia na Amazônia, para a revitalização dos lagos de Furnas, na região sudeste, e para a revitalização do Rio São Francisco, na região nordeste. Somando tudo, o valor adicionado dos novos contratos de concessão deverá alcançar cerca R$ 65 bilhões.

A decisão do Congresso de repassar esse volume de recursos para esses fundos e para a CDE e de determinar a instalação de novas usinas termoelétricas no País não desvirtuou o espírito do negócio?

O papel da Câmara e do Senado foi fazer o governo dividir um pouco mais. O modelo proposto pelo (ex-presidente Michel) Temer só previa o fundo para o rio São Francisco, mas não conseguimos aprová-lo. Nós não tínhamos apoio no Congresso na época em que apresentamos o projeto. No modelo do Bolsonaro, foram criados mais dois fundos, um para a Amazônia e outro para a região Sudeste. Eram R$ 3,5 bilhões, que viraram R$ 10 bilhões. O Bolsonaro se dispunha inicialmente a dar 35% do que arrecadasse como contribuição à CDE e depois aceitou fazer um aporte maior, de 50%, e a privatização foi aprovada. No caso das termoelétricas, o Congresso fez uma opção que não afeta a Eletrobras. A companhia não está obrigada a fazer seis ou nove termoelétricas, quantas forem, em tal e tal lugar. O governo foi autorizado a licitar 8 megawatts de termoelétricas movidas a gás em algumas regiões do País e a Eletrobras poderá ou não participar. Agora, na minha opinião, a gente deveria fazer termoelétrica onde já tem gasoduto e não onde não tem. Não vai ser assim. Mas eu sempre falo que, no Brasil, não tem gasoduto e na Argentina e nos Estados Unidos tem, porque lá faz frio e aqui, não. Lá, a população precisa aquecer suas casas e eles precisam ter uma rede de gás importante. O Brasil nunca se preocupou em ter gás natural porque não era uma coisa necessária. Agora, é. O gás natural é o combustível da transição energética. Então, a gente vai ter de fazer gasoduto em algum momento. Pode fazer agora ou lá na frente.

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Tem muita gente que acha que o valor de privatização da Eletrobras é baixo e deveria ser maior. O que o sr. pode falar sobre isso?

Essa reação é de quem não sabe fazer a conta. O que o governo está vendendo é o direito de a Eletrobras operar usinas, que vendiam energia por R$ 35 o megawatt/hora, pelo valor de mercado. O cálculo de quanto isso vale a mais do que os contratos atuais, que chegou a ao resultado de R$ 65 bilhões, é feito por especialistas. A taxa de desconto é o Banco Central que calcula. As tarifas que poderão ser praticadas são calculadas pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que também calcula a energia que a empresa será capaz de gerar, junto com a Aneel (Agencia Nacional de Energia). É uma fórmula financeira, que foi rechecada e aprovada por todos. Quando o cara fala isso, não sabe o que está falando. É só palpite.

É preciso considerar que a Eletrobras vai vender energia a preço de mercado, mas terá contrapartidas

Com a cobrança de preços de mercado pela energia, como vão ficar as tarifas? A conta não pode sobrar para o consumidor?

Acredito que não. Existe um preço de mercado para o tipo de ativo que a empresa vende. É como a gasolina. Não dá para vender por R$ 15 o litro de gasolina comum que o mercado compra a R$ 8. O mercado brasileiro de energia é ativo. Você pode comprar no mercado regulado, em leilão, ou no mercado livre, por negociação bilateral. A Eletrobras não tem certeza em relação ao preço que vai vender a energia. Além disso, o depósito na CDE é justamente para mitigar qualquer eventual variação de custo para o consumidor. Os cálculos feitos pelo governo davam conta de que esses movimentos preços deverão acontecer de forma gradual, em cinco anos. Agora, é preciso considerar que a Eletrobras vai vender energia a preço de mercado, mas terá contrapartidas. Este é ponto fundamental do regime de concessão. O risco hidrológico será dela. Se faltar água, problema da Eletrobras. Ela que encontre uma forma de garantir o fornecimento de energia. Hoje, quando isso acontece, o custo fica para o consumidor, na forma de bandeiras tarifárias.

Como a gestão da Eletrobras esteve sob a responsabilidade do Estado por tanto tempo e sempre houve interferência política nas tarifas, de repente os preços podem estar meio represados e na hora que soltar as rédeas o “cavalo” vai disparar.

Não vai, não. Não tem como. Este é outro erro. As pessoas não entendem. As concessões são reguladas e os reajustes são realizados anualmente, pela inflação, na geração e na transmissão. Só tem um aumento por ano. Isso pode acontecer com o combustível, que não é uma concessão, mas com a energia, não.

O presidente Jair Bolsonaro está envolvido em ações para tentar reduzir a conta de luz. Como o sr. vê as ações do governo nesta direção?

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O Brasil fez algumas escolhas no passado e uma delas foi a de centrar o poder arrecadatório, especialmente o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em cima das utilidades, como energia, saneamento, comunicações e combustíveis. Normalmente, 2/3 da arrecadação dos Estados vêm daí.

Em tese, seriam setores mais fáceis de fiscalizar.

É porque são setores regulados e os reajustes são feitos pela inflação. Os governos conseguem prever a arrecadação. Quando uma empresa de energia elétrica emite uma conta e manda para o consumidor, ela já se compromete a pagar o ICMS, independentemente de receber o pagamento. Então, a sanha arrecadatória sobre esses negócios é muito maior. Você tem também as agências fiscalizando. É muito mais simples. Agora, num momento de alta de inflação, de guerra, como agora, em que aumentam os componentes que geram o custo real da utilidade, seja o combustível, seja a eletricidade, você tem o direito e a obrigação de repasse. Metade do preço do combustível ou da energia é tributo. O mesmo aumento de 50% que houve no caso da gasolina, por exemplo, acabou gerando 50% de aumento de arrecadação tributária. No momento, há uma proposta em tramitação no Congresso, que já foi aprovada pela Câmara, no sentido de limitar a alíquota de ICMS, porque ficou muito alta e tem de ser contida.

Privatizar sempre leva tempo. É a venda de um patrimônio público, muito grande, importante, e as pessoas acham que são donas do negócio

Desde que o sr. começou a preparar a privatização da Eletrobras até hoje, passaram cinco anos. Por que demora tanto para viabilizar uma privatização no Brasil?

Privatizar sempre leva tempo. É a venda de um patrimônio público, muito grande, importante, e as pessoas acham que são donas do negócio, como eu falei no começo da nossa conversa. É como vender um bem de família. Quando você vai fazer isso, tem de falar com a família. No caso da privatização da Eletrobras, a “família” é o Congresso Nacional. Você tem que pegar a autorização deles. Eu privatizei as distribuidoras de energia e posso dizer que não é fácil. Você é obrigado a seguir um trâmite, que inclui a consultoria do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), fazer a modelagem da operação, calcular o valor da empresa, realizar o leilão. Isso levou de 19 a 29 meses. Mas conseguimos vender. Na época, as distribuidoras foram federalizadas pela Eletrobras, mas já com uma lei autorizando a privatização. Quando eu entrei na empresa, em 2016, já não precisava mais do Congresso. Agora, quando você toma a decisão de fazer a mesma coisa com a Eletrobras, tem de submeter a proposta, como estatal, à avaliação do Congresso. Para encaminhar um processo desses no Congresso tem de ter apoio. No governo Temer, não tivemos, mas agora o Bolsonaro conseguiu aprovar a privatização.

No caso da Eletrobras, depois da aprovação do Congresso, ainda teve a avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União), onde um único ministro segurou o processo vários meses. No fim, quando houve a votação no plenário, a privatização foi aprovada por 7 a 1. Só esse ministro votou contra – e ele ainda queria segurar mais o processo.

Este é o ponto. O TCU deveria avaliar coisas passadas. Tribunal é assim, analisa se o que foi feito estava ou não conforme a lei. A gente deveria ter condições de fazer a privatização e depois ser avaliado pelo que fez. Mas, neste caso, por alguma razão, o TCU analisa previamente, para ver se o governo vai fazer alguma bobagem ou não. Tem prós e contras. Mas o importante é que tudo passou. A Eletrobras vai, enfim, ser privatizada.

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