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Produtividade do trabalho desacelera com volta ao 'velho normal', dizem pesquisadores da FGV

Depois da alta de 12,1% em 2020, produtividade chegou ao terceiro trimestre deste ano só 1,8% acima do nível pré-pandemia, mostram dados apresentados em seminário online feito pelo Ibre/FGV em parceria com o 'Estadão'

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO - Após crescer em torno de 12,1% em 2020, a produtividade do trabalho chegou ao terceiro trimestre deste ano apenas 1,8% acima do nível verificado no quarto trimestre de 2019, antes da crise causada pela covid-19, segundo cálculos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). De julho a setembro deste ano, a produtividade do trabalho tombou 11,9% ante igual período de 2020, comparado a um salto de 14,9% no terceiro trimestre do ano passado ante igual período de 2019.

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A forte desaceleração mostra que o ganho do ano passado foi “atípico” e “temporário”, marcado pela pandemia, disseram pesquisadores do Ibre/FGV, que debateram o tema nesta quinta-feira, 16, em seminário online organizado em parceria com o Estadão. Com a continuidade da “normalização” da economia, o País tende a voltar ao baixo crescimento da produtividade, o que impede um avanço mais acelerado da atividade econômica.

“A normalização da economia aproxima a produtividade do trabalho ao padrão de antes da pandemia. Voltamos ao velho normal de baixo crescimento da produtividade”, afirmou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, após informar, em primeira mão, os cálculos sobre a produtividade para o terceiro trimestre deste ano.

A volta da dinâmica da produtividade do trabalho ao padrão anterior à pandemia, marcado pelo baixo crescimento, era esperada porque o forte ganho de 2020 se deu, principalmente, por causa do que economistas chamam de “efeito composição”. A pandemia atingiu a economia de forma inédita, atípica e desigual, prejudicando muito mais determinadas atividades - principalmente aquelas que dependem do contato pessoal, no setor de serviços, como bares, restaurantes e salões de beleza - e até favorecendo outras - como os serviços de tecnologia da informação (TI).

Esse impacto desigual da pandemia foi positivo para a produtividade. Isso porque as atividades de serviços que dependem da interação social são menos produtivas, usam menos tecnologia e maquinário e contratam trabalhadores menos qualificados. De forma simplificada, geram relativamente pouco valor para a economia, diante da quantidade de trabalhadores empregados.

No mercado de trabalho, o impacto desigual fez com que o fechamento de vagas, tanto formais quanto informais, tenha sido muito maior nessas atividades menos produtivas do que nas mais produtivas, que, geralmente, empregam profissionais liberais ou de alta qualificação.

O “efeito composição” é justamente o aumento, em termos da proporção diante do total de trabalhadores ocupados, do peso dos profissionais mais qualificados e produtivos, em detrimento da perda de espaço dos empregados menos qualificados e menos produtivos. Essa mudança nas proporções fez a produtividade aumentar - a economia cresceu empregando menos trabalhadores.

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À medida que a vacinação contra covid-19 avança e os negócios, especialmente do setor de serviços, vão retornando ao funcionamento normal, o efeito composição vai se desfazendo, por meio da recuperação das vagas fechadas nas ocupações menos produtivas. A tendência é que as proporções, no total dos ocupados, de trabalhadores mais produtivos e menos produtivos volte ao que era antes da pandemia.

Silvia Matos, Fernando Veloso eFernando de Holanda Barbosa Filho participam de debate online com mediação da jornalista Adriana Fernandes. Foto: Reprodução/YouTube

“Os setores mais afetados foram os menos produtivos. Esses setores estão abaixo do patamar (de atividade) pré-pandemia, mas estão voltando”, o pesquisador Fernando Veloso, também do Ibre/FGV, outro debatedor do seminário.

Antes da pandemia, as coisas já não iam bem. O mercado de trabalho brasileiro vinha numa trajetória de expansão marcada pela baixa qualidade, em recuperação após a recessão de 2014 a 2016. Essa baixa qualidade, marcada pela geração de postos de trabalho de baixa remuneração em atividades pouco produtivas, já dificultava avanços na produtividade do trabalho, um dos motivos para a economia brasileira ficar presa numa armadilha de baixo crescimento entre 2017 e 2019.

Nesse período, de recuperação após a recessão, chegou a haver queda na produtividade, algo incomum em ciclos de crescimento econômico, mesmo que a ritmo lento. Entre as explicações para o fenômeno, sugeridas por estudos do Ibre/FGV, está a baixa qualidade do mercado de trabalho.

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Quando a pandemia ficar para trás de vez, a economia poderá voltar para um quadro ainda pior do que esse, diante de marcas que a crise atual deverá deixar no mercado de trabalho e na economia. Os pesquisadores do Ibre/FGV citaram o aumento do desemprego de longa duração (ruim para a produtividade, porque o trabalhador que fica muito tempo longe do mercado de trabalho desaprende), os problemas com o ensino remoto (que prejudicará a qualificação dos profissionais ao longo dos anos) e a dificuldade de a economia entrar em rota de crescimento, para além da recuperação de curto prazo.

Também da equipe do Ibre/FGV, Fernando de Holanda Barbosa Filho destacou que mesmo as ferramentas tecnológicas que explodiram durante a pandemia, como os sistemas de videoconferência e mensagens para o trabalho remoto, parecem estar sendo pouco incorporados no dia a dia dos trabalhadores como um todo. Em parte porque o “home office” foi pouco adotado no País. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no auge da pandemia em torno de 10% do total de trabalhadores ocupados migraram para o trabalho remoto.

“Não é um choque tecnológico que foi incorporado. Em primeiro lugar, porque adotamos muito pouco o ‘home office’”, afirmou Holanda, durante o seminário. “Muitas empresas podem adotar sistema híbrido de trabalho, mas os ganhos de produtividade não serão suficientes para um ganho agregado ao longo do tempo”, completou o pesquisador.

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Segundo Veloso, os dados da produtividade total dos fatores (PTF, que, além do trabalho, levam em conta outros fatores de produção, como o capital fixo) já mostram um cenário pior do que o de antes da pandemia. Após avançar 6,1% em 2020 ante 2019, no terceiro trimestre, a PTF atingiu nível 2,3% inferior ao do quarto trimestre de 2019.

“Não estamos nem voltando à tendência (de baixo crescimento da produtividade), o nível está mais baixo”, afirmou Veloso.

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