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Projeto aposta em celulares 3G e aplicativos para incrementar renda de pescadores

Comunidades em Santa Cruz Cabrália (BA) usam tecnologia móvel para o cultivo de ostras e pesca artesanal

Por Hugo Passarelli
Atualização:

Irene de Jesus não tem ascendência indígena, ao contrário da maioria das marisqueiras de Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália (BA), onde vive. Ela exerce há cerca de três meses uma nova atividade econômica, o cultivo de ostras. Irene não sabe escrever muito além do básico, mas garante que consegue se virar quando precisa ler alguma coisa.

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Recentemente, um de seus exercícios diários de leitura é consultar um aplicativo no aparelho celular 3G Samsung GT, modelo I5700L, por meio do qual ela mede a temperatura e salinidade da água e também controla o crescimento das ostras.

O programa manda as informações para uma base de dados que, futuramente, dará uma perspectiva bastante ampla do ritmo de desenvolvimento das ostras na região. "Montar uma planilha semanalmente, em papel, dá muito trabalho e as pessoas acabam não fazendo. E o aplicativo gera automaticamente um gráfico", diz Thiago Trombeta, engenheiro do Projeto Pescando com Redes 3G, do qual Irene participa.

Índios têm aula inaugural sobre uso de aplicativos; projeto também atende comunidade de pescadores

O projeto foi implantado em outubro de 2009 e além da aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, atende o distrito de Guaiú e outras regiões de Santa Cruz Cabrália. Em julho do mesmo ano, houve uma oficina participativa com os pescadores. "Eles nos disseram quais eram as suas dificuldades e nós tentamos resolver esses problemas por meio da tecnologia", afirma Trombeta.

O lançamento oficial só ocorreu na semana passada, mas o projeto ainda está no meio do caminho de conclusão. Ele foi idealizado pela companhia americana Qualcomm (de tecnologia para comunicação móvel) em conjunto com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e envolveu parcerias com a Vivo, a ZTE e a Prefeitura de Santa Cruz Cabrália. A ONG Instituto Ambiental Brasil Sustentável (Iabs) ficou responsável pela execução do projeto. O investimento não é divulgado. Apenas a USAID diz quanto empregou. São R$ 60 mil para assistência técnica à iniciativa.

Entre 150 a 200 famílias do município podem ser beneficiadas quando todas as fases estiverem em funcionamento. Em Coroa Vermelha, onde o projeto já está mais adiantado, já são 50 famílias beneficiadas.

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"Meu marido possui um barco de 8 metros e eu sempre tive o sonho do aumentar nossa produção", diz Irene, referindo-se ao pescado que responde por sua renda familiar. Como a maricultura exige menos no aspecto físico, ela já pode ajudar. Daqui a cerca de sete meses, quando a primeira leva de ostras estiver pronta para a venda, será possível medir o impacto na renda de Irene. Atualmente, o ganho médio mensal da população de Coroa Vermelha é de cerca de R$ 445.

"O que nós já temos são apenas três alicerces, o tele-centro, o barco escola [para pesca experimental] e a maricultura, mas ainda há muito que fazer", explica o diretor de pesca do município, Claudio Mendes. Para ele, a relevância do projeto está em levar tecnologia para uma atividade que nunca foi alvo de políticas públicas.

Sediado na colônia de pescadores em Santa Cruz Cabrália, o tele-centro é destinado à capacitação e treinamento da população local. Antigamente, o local era uma cadeia. Além de 18 computadores ligados à internet, via rede 3G, o prédio traz uma sala de aula para video-conferência, utilizada pela primeira vez na conversa que o Economia & Negócios teve com os representantes locais.

Controle de despesas e receitas

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Cabrália está a 782 quilômetros ao sul de Salvador. A cidade faz parte da chamada Rota do Descobrimento, região que engloba cidades como Porto Seguro e Arraial D'Ajuda. Foi lá que, em 1500, foi realizada a primeira missa em solo brasileiro.

A cidade foi escolhida por ser a única, entre as opções analisadas, a já contar com o sinal 3G, indispensável devido à premissa do projeto. Francisco Soares, da Qualcomm, destaca a vocação turística da região, com pousadas, restaurantes e rede hoteleira adequada. "O potencial é muito grande", diz ele sobre a possibilidade desses estabelecimentos virarem clientes do pescado de Cabrália. Somente o distrito de Guaiú não era atendido pelo sinal, situação que foi contornada com a instalação de uma antena pela Vivo

A pesca é o foco da fase iniciada na semana passada. Por meio de outro aplicativo, os pescadores agora poderão calcular, antes de voltar do mar, se terão lucro ou não. Ricardo Salgueiro, técnico do projeto, explica  que o programa faz um cálculo com base no dinheiro gasto para comprar diesel e gelo, e cruza com a quantidade de peixe adquirido e os valores médios de mercado daquela espécie de pescado. Por enquanto, o serviço ainda está limitado, pois o sinal 3G não alcança distâncias superiores a 15 milhas náuticas da costa – a atividade pesqueira é feita entre 30 e 45 milhas. Quando estiver em pleno funcionamento, a promessa é de fornecer os dados em tempo real.

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Comércio online

Futuramente, o banco de dados de ambas as culturas possibilitará a venda online de pescado. "Só de eliminar os atravessadores [que compram e depois revendem os peixes], haverá um incremento muito grande de renda", acredita Soares. Segundo ele, os pescadores são reféns dessa prática, porque não têm como estocar o produto e acabam aceitando um preço baixo por ele.

"A vida do pescador extrativista é muito precária", afirma Hilberlon Araujo da Silva, o Bel, que acrescenta: "Nosso filhos estão crescendo e poderão tirar proveito dessas tecnologias".

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