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Projeto que pune discriminação salarial contra mulher volta à Câmara sem prever cobrança retroativa

Com mudança, incluída no texto pelo Senado, a expectativa é que o presidente Jair Bolsonaro sancione a proposta

Por Camila Turtelli e Anne Warth
Atualização:

BRASÍLIA - O projeto de lei que pune discriminação salarial contra mulheres pode voltar ainda nesta quarta-feira, 28, para as mãos do presidente da República Jair Bolsonaro. Após ser aprovado pelo Senado, bater à porta do Executivo e voltar à Câmara por um questionamento regimental, o texto deve ser votado pelos deputados na sessão desta quarta. O texto será relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), que vai adicionar um dispositivo para barrar a possibilidade de que a lei tenha efeitos retroativos.

Margarete Coelho (PP-PI), deputada relatora do projeto que pune discriminação salarial contra mulheres Foto: Will Shutter/ Câmara dos Deputados

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Essa foi umas das preocupações levadas ao Palácio do Planalto por empresários: a falta de garantia de que as empresas não enfrentariam processos trabalhistas movidos por trabalhadoras prejudicadas no passado era um dos motivos que poderiam levar o projeto a ser vetado por Bolsonaro, segundo fontes. Com a mudança, a expectativa é que Bolsonaro sancione o projeto.

O texto determina que a empresa pague à empregada prejudicada uma multa de até cinco vezes o valor da diferença salarial em relação ao homem que ocupa a mesma função - o que abre possibilidade de que o valor seja menor. 

Já no texto original, aprovado pela Câmara ainda em 2011, a multa era fixada em um total de cinco salários. Foi essa mudança feita pelos senadores, sem o aval da Câmara, que provocou o questionamento regimental e fez o texto voltar ao Congresso.

Há um requerimento de urgência (na prática, fura a fila de votação) na pauta da sessão desta quarta para votar o projeto. O plenário pode apreciar o mérito já na sequência.

O projeto é de 2009 e foi aprovado pela Câmara em 2011. Depois de quase dez anos, os senadores o aprovaram no fim de março, após a bancada feminina na Casa ter articulado a votação em defesa da igualdade salarial. Trata-se de uma mudança em relação à regra atual, vigente desde 1999, que condena explicitamente a discriminação por gênero, raça, idade ou situação familiar nas contratações e políticas de remuneração, formação e oportunidades de ascensão profissional, mas estabelece punições brandas, entre R$ 547,45 e R$ 805,07. Além disso, o pagamento é devido ao governo, não à trabalhadora lesada pela prática da empresa.

Após a aprovação pelo Senado, Bolsonaro lançou uma “enquete” para decidir se sancionava ou não a lei. Ele pediu a seus seguidores que sugerissem, nas redes sociais, o que ele deveria fazer. O presidente disse que, se sancionasse, ficaria "quase impossível" uma mulher conseguir emprego, sem apresentar dados ou estudos que corroborem essa visão, e ressaltou o custo que a iniciativa poderia gerar aos empresários. Por outro lado, também disse que poderia virar alvo de uma “campanha das mulheres” e ser “massacrado” caso decidisse pelo veto.

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O posicionamento de Bolsonaro mobilizou a bancada feminina do Senado, que lançou um movimento nas redes pedindo a sanção da lei. Senadoras de diferentes partidos têm postado mensagens com a hashtag #PL130SancionaPresidente, em alusão ao número do projeto.

Defensores da igualdade salarial argumentam que a aprovação do projeto é um passo importante para melhorar a representatividade das mulheres no mercado de trabalho. Na pandemia, a taxa de participação das trabalhadoras, que já era inferior à dos homens, caiu a 45,8%. Isso significa que menos da metade das mulheres está em atividade, seja trabalhando, seja buscando emprego.

Bolsonaro ainda lançou o argumento de que “tem lugar em que mulher ganha mais do que homem”, apesar de estudos mostrarem que a situação contrária - homens ganhando mais do que mulheres na mesma função - ser comprovadamente mais comum.

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Uma pesquisa publicada no ano passado pelos economistas Beatriz Caroline Ribeiro, Bruno Kawaoka Komatsu e Naercio Menezes Filho, do Insper, comparou a remuneração de trabalhadores segundo gênero, raça, escolaridade e tipo de instituição de ensino frequentada (público ou privada). Um homem branco que concluiu o ensino superior em instituição pública teve média salarial de R$ 7.891,78 entre 2016 e 2019, contra R$ 4.739,64 no caso de mulheres brancas na mesma situação, R$ 4.750,58 de homens pretos e pardos e R$ 3.047,01 de mulheres pretas e pardas.

Em uma análise por ocupação, a equipe do Insper detectou que médicos brancos ganhavam mais que o dobro de médicas brancas. O padrão se repetiu, com diferentes proporções, em outras áreas, como engenharia e arquitetura, professores, administração e ciências sociais. Em geral, a situação da mulher negra é ainda pior em termos de remuneração.

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