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Opinião|Proposta de capitalização de Bolsonaro não passa de um mito sobre a Previdência

Estou convencido de que a adoção de uma capitalização 'pura' – sem elementos de repartição – é inviável no Brasil

Atualização:

Como talvez alguns leitores que acompanham esta coluna saibam, minha filosofia econômica se aproxima do liberalismo. Embora me considere um pragmático, colocada a questão em forma binária, no campo ideológico me identifico mais com as causas liberais (visão pró-mercado, defesa do equilíbrio fiscal, abertura da economia, etc.). Provavelmente por esse pano de fundo, no debate previdenciário, muitos equivocadamente me atribuíam a defesa do modelo chileno de Previdência, coisa que jamais fiz. Minha defesa da proposta foi sempre de uma reforma paramétrica, que conservasse o sistema, porém mudando os parâmetros de aposentadoria.

Nas minhas palestras me deparei durante anos com a visão de parte da plateia de que a verdadeira reforma só poderia ser uma que adotasse a capitalização à moda do Chile. Entre a aprovação da reforma em 2019 e o começo da pandemia, cheguei ainda a participar de seminários presenciais para fazer uma primeira avaliação das novas regras aprovadas. E, tanto nos eventos ocorridos no último trimestre de 2019 e no primeiro de 2020 como em lives posteriores, notei que parte do público se manifestava frustrada com o “abandono da proposta de capitalização” pelo governo. Como no debate público vez por outra o tema retorna à baila, entendo que é importante prestar os esclarecimentos que este artigo se propõe a fazer.

Governo Bolsonaro não tinha proposta própria de capitalização, apenas uma simpatia de Guedes com o modelo chileno. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Há duas grandes linhas para organizar a Previdência. Um arranjo é o sistema de capitalização, que funciona com base na acumulação de recursos em contas individuais, que vão “engordando” na fase contributiva para diminuir na fase das retiradas. O outro – que em geral predomina – é o modelo de repartição, em que as aposentadorias de quem está aposentado são pagas pelas contribuições da geração que está na ativa. No mundo real, muitos países têm sistemas híbridos. O Brasil, mesmo tendo o INSS funcionando no esquema de repartição, tem ativos no sistema de capitalização da ordem de 25% do PIB, se somadas as carteiras do sistema fechado de previdência complementar (Previ, Petros, etc.) com os ativos em PGBL e VGBL.

Estou convencido de que a adoção de uma capitalização “pura” – sem elementos de repartição – é inviável no Brasil. Outro dia podemos tratar mais em detalhes a questão. O ponto hoje é outro: desmistificar a ideia de que teria existido uma “proposta de capitalização” que teria sido abandonada, em 2019, em favor da que foi encaminhada.

Na verdade, o novo governo não chegou com uma “proposta de capitalização”. Havia na mesa uma ideia meritória, desenvolvida ainda em 2018 por Paulo Tafner e um grupo de especialistas, de adoção de algum grau de capitalização. Esta, porém, seria parcial, pois se daria a partir de um novo valor do teto do INSS, que apontava para ser da ordem de 3 a 4 salários mínimos. Isso significa que, para a maioria das pessoas e a grande massa dos rendimentos, continuaria valendo o sistema de repartição, com outros parâmetros.

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Por que faço este esclarecimento? Porque o debate sobre o tema ficou muito ideologizado – e a ideologização extrema tem tido consequências negativas para a qualidade de nosso debate. E, nesse contexto, há setores liberais de boa-fé, mas ingênuos, que acreditam que o governo foi eleito com base numa pauta liberal, depois abandonada e que seria importante retomar. Meu ponto, em relação à Previdência, é apenas no sentido de repor a verdade: o governo Bolsonaro não tinha proposta alguma própria de capitalização. O que havia era uma simpatia do ministro Paulo Guedes pelo modelo chileno, mas desacompanhada de qualquer proposta concreta que tivesse medidas detalhadas, contas específicas e redação de alternativas legais. A reforma previdenciária resultou da reformatação da proposta do governo Temer – inteligentemente adaptada a um novo contexto. Não é que a “proposta inicial de capitalização” tenha sido abandonada: ela nunca existiu. A “proposta de capitalização de Bolsonaro” não passa de um mito – como tantos outros.

*É ECONOMISTA

Opinião por Fabio Giambiagi
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