10 de julho de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - Entre as medidas previstas pelo governo na reforma do Imposto de Renda, está a que prevê acabar com a modalidade chamada Juros sobre Capital Próprio (JCP), justamente a forma mais usada pelas estatais federais para remunerar o Tesouro Nacional por seu lucro. De 2017 a 2020, uma média de 73% por ano dos resultados pagos pelas estatais ao governo federal foi justamente por meio desse instrumento. Em média, entram R$ 10,5 bilhões por ano nos cofres da União em remuneração paga pelas estatais – sendo quase R$ 3 bilhões na forma de dividendos e R$ 7,6 bilhões a título de JCP.
Especialista em tributação, o economista José Roberto Afonso afirma ter certeza que a União vai perder recursos porque ninguém recebe mais JCP no País do que o próprio Tesouro, considerando as empresas em que é controlador. Segundo ele, é provável, então, que o Tesouro queira antecipar a entrada desses recursos em 2021. “Muitos contribuintes, se a reforma passar como está, anteciparão distribuição, inclusive estatais federais. Essa é uma hipótese forte”, afirma Afonso.
O projeto não acaba, na prática, com JCP, mas desestimula o seu uso pelas grandes empresas. As companhias não vão poder mais deduzir o que pagam a seus acionistas, por meio do JPC, do IR a desembolsar. Já a distribuição de dividendos, outra forma de remunerar o acionista, será taxada com uma alíquota de 20%. Hoje, essa operação é isenta de tributos.
A diferença, explica o economista, é que os recursos do JCP entram “livres” para o caixa do Tesouro. Por outro lado, quase metade (48%) da arrecadação do IR é partilhada com Estados e municípios, por meio dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), fora os recursos vinculados à educação e à saúde.
“A mudança pode ser um tiro no pé. Quem escreveu o projeto, esqueceu de perguntar para o Tesouro”, diz Afonso, ao comentar o projeto, que tem recebido muitas críticas do setor financeiro e das grandes empresas, que declaram o imposto pelo lucro real.
O levantamento do pagamento de dividendos foi feito pelo consultor do Senado, Leonardo Ribeiro, em parceria com José Roberto. Em 2019, do total de R$ 21,5 bilhões pagos pelas estatais federais à União, R$ 14,3 bilhões foram de JCP.
Ribeiro ressalta que reformas dessa magnitude, como a do Imposto de Renda, é preciso avaliar todo o seu conjunto e os seus efeitos colaterais. Ele suspeita que o governo não tenha levado esse problema em conta na hora de fechar o projeto. Afonso alerta que um projeto desse tipo não pode ser votado às pressas, como quer o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Afonso chama atenção para o fato de que os dividendos servem como sinalização para o pagamento de participação do lucro aos diretores das estatais e até mesmos aos funcionários. Como poderá haver, no futuro, mais pagamento de dividendos, a tendência é de aumento da participação dos lucros aos diretores e funcionários.
Estudo feito por Afonso há cinco anos mostrou que as empresas que mais pagavam JCP, além das estatais, eram os bancos, seguradoras, extrativistas, como a Vale, as de energia e as telefônicas.
Procurado o Tesouro, diz que não há problema porque, sob a ótica da União, o recebimento da remuneração ao acionista como JCP ou dividendos é indiferente. “Isso se deve ao fato de que tanto a receita do JCP como a receita de dividendos estão vinculadas ao abatimento da dívida pública”, respondeu o Tesouro.
Além disso, segundo o órgão, a União possui imunidade tributária e, portanto, não está sujeita a tributação de IR sobre os JCPs recebidos. O Tesouro diz que não fez pedido às estatais para antecipar resultados. “É uma prerrogativa dos conselhos de administração das companhias”, afirma.
Já o BNDES informou que não considera a antecipação dos resultados ao Tesouro este ano. O Banco do Brasil afirmou que sua política de remuneração foi aprovada em janeiro e prevê a distribuição de 40% do lucro. Caixa e Petrobrás não responderam.
Tributação de lucros e dividendos a 20% com isenção de R$ 20 mil por mês para acionistas de micro e pequenas empresas. Para paraísos fiscais, a alíquota é de 30%. Hoje, esses ganhos são isentos.
Propostas para reduzir a alíquota para 15%, 10%, da faixa de isenção, para fazer uma transição, fazer a cobrança na tabela progressiva e permitir a isenção para remessas de lucros ao exterior.
Fim da dedutibilidade de Juros sobre Capital Próprio (JCP), outra forma de remuneração aos acionistas usada pelas empresas, com abatimento no IR a pagar.
Propostas para permanecer do jeito que está ou criar uma transição
O projeto prevê uma queda de cincos pontos em dois anos
Guedes acenou para cortes maiores, desde que haja cortes em subsídios para a indústria petroquímica e de bebidas
Fim da isenção dos Fundos de Investimentos Imobiliários
Setor ficou de apresentar propostas a Guedes e o relator para mudar a proposta na semana que vem
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.
10 de julho de 2021 | 05h00
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O ministro da Economia, Paulo Guedes, procurou na sexta-feira, 9, lideranças do grupo Coalizão da Indústria para debater o projeto de reformulação do Imposto de Renda. De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, José Velloso, o ministro concordou com as cobranças dos industriais, que pediram um projeto mais enxuto e focado nas mudanças conceituais do modelo tributário.
Guedes, segundo Velloso, pediu "pressa". A ideia é que a comissão construa uma proposta em até três semanas - que será então apresentada ao relator na Câmara, Celso Sabino (PSDB-PA). O grupo tratará apenas da parte da indústria, mas há discussões semelhantes e com o mesmo objetivo envolvendo setores como o comércio, serviços e agronegócio.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), chegou a dizer que votaria a proposta antes do recesso parlamentar em julho, mas recuou depois das críticas do empresariado e agora afirma que só pautará o texto quando estiver "maduro". Nesta semana, 120 associações se manifestaram contrárias à proposta por considerarem que há aumento da carga tributária. Ontem, Guedes se reuniu com pesos pesados do PIB em São Paulo para tentar diminuir as resistências.
"Foi a melhor reunião que já tivemos com o ministro", disse Velloso ao Estadão/Broadcast. "O ministro nos procurou e pediu o diálogo. Guedes tem procurado os empresários, e essa é a postura certa, buscar consenso. Não fomos reclamar."
O grupo será composto por membros da Coalizão Indústria, que reúne 15 entidades do setor, incluindo a Abimaq, e integrantes da Receita Federal, inclusive o secretário José Tostes. Isaías Coelho, que assessora Guedes nos assuntos relacionados à reforma tributária, será o coordenador do grupo de trabalho, segundo Velloso.
"No conceito geral, as propostas são corretas. Estamos de acordo com a Economia. Concordamos na necessidade de reformar o imposto de renda para pessoa física, criar um mecanismo para tributar dividendos e diminuir as alíquotas a quem tem menos renda. Mas é preciso acertar na calibragem", afirmou o presidente da Abimaq.
Essa calibragem, segundo ele, passa por um modelo em que a tributação sobre a indústria - hoje em 34%, considerando IR e CSLL - não seja elevada, mesmo com a inclusão do imposto sobre a distribuição de dividendos. Para Velloso, a taxa sobre dividendos precisa ser mantida em 20%, de forma que a solução seria reduzir ainda mais a alíquota de IR - que na proposta do governo, cairia de 25% para 20%.
"No Brasil, as empresas são pobres e descapitalizadas, mas os acionistas são ricos. Toda vez que precisa ampliar ou comprar um ativo novo se recorre ao mercado financeiro, uma alternativa cara. É por isso que temos carência de investimentos", afirmou.
Para Velloso, o conceito da reforma está correto, mas é preciso focar no que é consensual e abrir mão de questões acessórias - como a tributação sobre empresas em paraísos fiscais e estratégias para reduzir a elisão fiscal. "Isso não estava no script. A Receita pegou vários 'sonhos do passado' e enfiou no projeto de lei, coisas que o ministro nem pensava ou dialogava sobre", afirmou.
Esses temas, na avaliação de Velloso, devem ser tratados em outros projetos ou mesmo por resoluções e portarias infralegais, que não precisam do aval dos parlamentares, sob o risco de atrapalhar a tramitação do texto no Congresso. "O acessório chamou mais atenção e desviou a atenção do foco da proposta."
"Guedes falou 30 vezes que não vai aumentar a carga", afirmou Velloso. A indústria, segundo ele, defendeu uma proposta que estimule o empresário a deixar dinheiro na empresa e que proporcione uma carga tributária que torne o Brasil competitivo na atração de investimentos comparativamente a outros países.
Em relação às pessoas físicas, o executivo disse acreditar que o texto precisa de ajustes, para que seja mais favorável aos mais pobres. Na avaliação dele, é preciso ampliar a faixa de isenção para além dos R$ 2,5 mil mensais propostos - hoje, ela está em R$ 1,9 mil por mês.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.