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Proposta de tributação do governo gera críticas de empresários e da própria equipe econômica

Sugestão de tributar lucros e dividendos e pôr fim ao JCP é alvo de críticas das empresas, que prometem tentar derrubar a medida; integrantes do governo avaliaram a proposta como 'terrível' e apontaram que setor financeiro foi favorecido

Foto do author Adriana Fernandes
Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - A proposta do governo para tributar lucros e dividendos e pôr fim ao Juro sobre Capital Próprio (JCP), uma forma de empresas remunerarem seus investidores pagando menos Imposto de Renda, desagradou empresários e gerou críticas dentro da própria equipe econômica, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A avaliação é que a redução nas alíquotas do IRPJ não será suficiente para compensar o aumento em outras frentes, e a combinação de alterações terá como efeito líquido uma carga tributária maior para o setor produtivo.

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Integrantes do próprio governo avaliaram a proposta como “terrível” e apontaram reclamações de favorecimento ao setor financeiro em detrimento das empresas. “Todas as medidas sobre setor produtivo são neutras ou aumentam impostos, e quase todas sobre investimentos financeiros são neutras ou reduzem”, reclamou uma fonte, sob condição de anonimato. Já é dada como certa uma investida dos empresários por mudanças no Congresso.

Escritórios de advocacia se debruçaram sobre os detalhes e também falam em aumento de carga, dos atuais 34% para 49%. Seriam 20% sobre lucros e dividendos, 20% de IRPJ (após a redução gradual da alíquota, hoje em 25%) e 9% de Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que se mantém inalterada.

A distorção distributiva que existe no Brasil não será corrigida com a proposta do governo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Em uma ala do mercado financeiro, a crítica é a de que o governo ampliou a tributação sobre empresas e investimentos para bancar benesses prometidas pelo presidente Jair Bolsonaro aos trabalhadores no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). O desenho final da proposta também já entrou na mira no Congresso Nacional. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) afirma que a proposta aumenta muito a carga tributária das empresas tributadas pelo lucro real. “Alíquota de 49% não dá”, diz.

O governo propôs tributar em 20% os lucros e dividendos distribuídos, com uma isenção até R$ 20 mil mensais para as micro e pequenas empresas – tratamento especial incluído a pedido de Bolsonaro. O Brasil não tributa lucros e dividendos desde 1995 e é um dos poucos países no mundo a ter esse tipo de isenção.

“A isenção de lucros e dividendos vinha gerando distorções em relação aos rendimentos do trabalho e incentivando a chamada ‘pejotização’”, explicou o secretário especial da Receita Federal, José Tostes. A pejotização é a prática de profissionais liberais com ganhos elevados pagarem menos imposto como pessoa jurídica. Em 2019, foram declarados R$ 479 bilhões em lucros e dividendos distribuídos à pessoa física, segundo dados da Receita. Nenhum centavo foi tributado.

O Ministério da Economia também quer o fim do JCP, usado pelas empresas de capital aberto (com ações em Bolsa) para distribuir lucros a seus acionistas. Essa despesa podia ser abatida, permitindo à empresa reduzir o Imposto de Renda a ser pago. 

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O economista Isaías Coelho, assessor especial da pasta para a reforma tributária, disse que o JCP, criado em momento de maior dificuldade das empresas para acessar crédito, teve pouco resultado. “A prática mostrou que o JCP é um sacrifício tributário sem contrapartida na atividade econômica”, disse.

Para aliviar o bolso das empresas, o governo contrabalançou com uma redução gradual no IRPJ, hoje em 25%. A alíquota passaria a 22,5% em 2022 e a 20% a partir de 2023.

'Pacote de maldades'

Para os críticos, porém, a conta não fecha. O próprio governo informou que espera arrecadar R$ 18,5 bilhões em 2022, R$ 54,9 bilhões em 2023 e R$ 58,15 bilhões em 2024 com a tributação sobre lucros e dividendos, além de outros R$ 2,75 bilhões em 2022, R$ 7,18 bilhões em 2023 e R$ 7,6 bilhões em 2024 com o fim do JCP. Já a redução das alíquotas do IRPJ reduziria a arrecadação em R$ 18,52 bilhões em 2022, R$ 39,2 bilhões em 2023 e R$ 41,53 bilhões em 2024. Impactos de outras medidas para as empresas não foram divulgados pelo Ministério da Economia até a publicação deste texto.

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“Talvez nunca tenhamos visto um pacote de maldades tão grande. Para as empresas do lucro presumido, é um tiro fatal. A tributação total dos tributos federais, que era de 15% aproximadamente, sofrerá uma redução de 5% (no IRPJ) e um acréscimo de 20% por força do IR sobre dividendos . Ou seja, dobra a carga tributária”, afirma o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.

O advogado cita ainda o caso de profissionais liberais, que costumam concentrar seus rendimentos na pessoa jurídica. “Um profissional liberal que tem hoje carga de 15% vai passar a pagar 30% até receber seus lucros. Será que neste momento ainda de recuperação da crise econômica um aumento de 100% dos tributos é algo suportável?”, questiona. Para ele, o Brasil está indo “na contramão” do mundo ao elevar a tributação sobre empresas. “E o pior de tudo é tentarem nos convencer que a reforma não aumenta nada”, critica.

O economista Sérgio Gobetti afirma que a Receita acabou precisando “compensar” no próprio Imposto de Renda das empresas ou nos dividendos o pedido de Bolsonaro por uma isenção para micro e pequenas empresas poderem distribuir lucros sem cobranças de tributos. "Seria possível aplicar uma alíquota mais baixa sobre dividendos ou IRPJ se não houvesse qualquer isenção e se a tributação do lucro ocorresse independentemente da distribuição, como em outros países", afirma. “Sendo tributados apenas os dividendos distribuídos, as grandes empresas limitarão ao máximo a distribuição e aprofundarão as  estratégias de planejamento tributário”, acrescenta Gobetti.

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O presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva, afirma que as reclamações sobre a tributação de dividendos partem sobretudo dos que “se beneficiavam dessa tremenda injustiça”. “Voltamos ao mundo normal, pois só o Brasil e a Estônia não tributavam”, afirma. “A parte que eu critico é a isenção (mensal) de R$ 20 mil, pois isso cristaliza uma desigualdade. O assalariado tem limite de isenção proposto de R$ 2,5 mil, e o ‘pejotizado’ terá limite maior.”

Para Silva, a isenção para micro e pequenas empresas deveria valer somente para aquelas que têm funcionários, pois estão contribuindo para a geração de empregos. “Mas há muitos casos de empresas sem empregados que servem só como meio de pagar menos imposto. Advogados, engenheiros , médicos e outros profissionais usam esse tipo de alternativa”, afirma. /COLABORARAM ANNE WARTH E EDUARDO LAGUNA