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'Proposta para os precatórios tem vulnerabilidades', diz secretário do Tesouro

Para Jeferson Bittencourt, PEC para parcelar dívidas do governo exige ‘responsabilidade do Legislativo’, por apresentar margem para 'escapes' às regras fiscais do Brasil

Foto do author Adriana Fernandes
Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - Após o governo enviar uma proposta para parcelar dívidas judiciais (precatórios) e criar um fundo que permite antecipar as prestações fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, afirma ao Estadão/Broadcast que o Congresso precisará discutir o texto com a “máxima responsabilidade”.

Nos últimos dias, a proposta se tornou alvo de críticas de economistas, que veem margem para "escapes" às regras fiscais do País, ampliando a cautela de investidores. Confira os principais trechos da entrevista:

Jeferson Bittencourt diz que Orçamento terá verba para quitar dívidas judiciais de 2022. Foto: Gabriela Biló/Estadão - 19/10/2020

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A proposta do governo tira algumas barreiras para o governo poder vender ativos e pagar dívidas. Isso não abre precedente para alguém depois tentar usar esses mecanismos para outras finalidades?

Uma coisa que eu tenho dito é que essa PEC vai exigir a máxima responsabilidade do Parlamento, o que a gente tem certeza que ele é capaz de entregar. Por que eu digo isso? Porque é uma PEC que tem muitas vulnerabilidades, ela tem riscos. É claro que é válido para a gente tentar fazer uma administração mais eficiente dos nossos ativos e dos nossos passivos. O desenho que foi feito, na prática, tem sim vulnerabilidades, e essa é uma das vulnerabilidades.

A PEC prevê possibilidade de colocar imóveis em um fundo privado fora do Orçamento. Isso não será contabilizado como despesa?

Sim, a aquisição de cotas com imóveis não vai representar uma despesa primária, não vai sensibilizar o (resultado) primário (que reflete a diferença entre arrecadação e gastos). Isso foi muito mais para dar segurança. Ultimamente tem sido discutida essa questão de que o aporte de ativos a fundos teria que estar no Orçamento ou não. A gente tem tomado internamente a posição de primar pela inclusão, mas não é consenso de que tenha que haver.

O Tribunal de Contas da União entende que não importa se o aporte é com dinheiro, com feijão ou com título público, tem que estar no Orçamento. Vocês estão colocando na Constituição, mas não é estranho?

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Aqui há uma preferência incondicional por tratar orçamentariamente esses aportes. Feijão, imóveis, ações ou títulos deveriam passar pelo Orçamento. Essa é a posição do TCU, que tem tido respaldo aqui no Tesouro. Tem uma visão de que, para a desestatização, para a eficiência da política de gestão de imóveis, seria importante não ter essa restrição, porque na prática o que tu tens é que, ao adquirir as cotas do fundo privado com imóveis, tem que sensibilizar o teto dos gastos. Isso complica bastante a vida de quem está querendo ter celeridade para capitalizar esses fundos. Então esse é o foco.

Falando de vulnerabilidades, à medida que o fundo vai ficando com mais recursos, não pode haver pressão para empurrar os precatórios para serem pagos com o fundo e não com recursos do Orçamento? Não seria o mesmo que tirar do teto?

Conheço essa crítica, do risco moral. Em tese, poderia fazer sentido. Mas eu tenho uma resistência, porque eventual ganho demora eras. Com alguns problemas que podem vir na base de dados em relação à data para o processo, 98,6% das causas que foram inscritas no Orçamento do ano que vem foram geradas fora deste mandato. E as causas mais recentes estão muito provavelmente com data errada, porque é impossível que um processo tenha chegado na decisão final, com recursos e tudo, em 2021. Eu entendo teoricamente essa questão do risco moral, mas acho que ela não tem muita sustentação nos dados. 

Mas e a visão imediata de não querer pagar? Não pode jogar a conta para outros mandatos?

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Isso não é decisão do Executivo, é do Legislativo. O Executivo está propondo, como várias outras propostas de parcelamento de precatórios que foram aprovadas. O Legislativo é o representante da sociedade que vai dizer se aceita a proposta ou não.

Não corre o risco de pegar a despesa do precatório e fazer o fundo pagar?

O fundo não veio no sentido de incentivar ou não o pagamento de precatórios. Ao contrário, a PEC foi concebida porque uma despesa está crescendo mais rápido que o teto, e a regra não vai comportar o crescimento dessa despesa. Para resolver o problema foi proposto o parcelamento, essa reorganização do pagamento dos precatórios, na linha do que já existia na Constituição ou que o Estado de São Paulo faz no regime especial de pagamento de precatórios. Foi um aprimoramento de previsões que já tinham na Constituição de parcelar precatórios e de estabelecer um limite de comprometimento da receita corrente líquida com esse valor. Para que veio o fundo? Para antecipar a dívida que tinha sido gerada. Tem muita confusão, gente achando que o precatório seria pago pelo fundo, não, ele só paga os que foram parcelados.

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E a vulnerabilidade de querer usar esse fundo para pagar despesas com Bolsa Família/Auxílio Brasil? Não entrou na PEC, mas é um risco real? Seria um drible, uma contabilidade criativa?

Essa questão do fundo, ele é muito sensível, tem muitas fragilidades. A PEC está escrita sem isso (despesa com Bolsa Família paga pelo fundo).

O que os políticos estão dizendo, e o próprio ministro Paulo Guedes já defendeu essa ideia, é usar o fundo para pagar um dividendo social.

O que foi cogitado, mesmo na ideia do ministro, não era pagar o (valor normal do) Bolsa. Seria uma extra. Enfim, a PEC tem esse fundo que, do ponto de vista da gestão de ativos e passivos, o desenho faz sentido. Eventuais acréscimos de despesas com esse fundo é algo seriíssimo, tem que ser muito repensado. O fundo, do jeito que está lá, não foi desenhado para isso. Eventuais acréscimos de despesa teriam que implicar revisão das receitas que estão no fundo. A ideia de ter uma participação da sociedade nos resultados de desestatização pode fazer sentido, mas não pode gerar compromisso com certo valor. Esse valor tem que estar condicionado ao que foi viável e não pode envolver recursos recorrentes. Se eu coloco o fundo para pagar dívida pública, precatório e uma despesa corrente qualquer, o rol de receitas tem que ser diferente.

Mas o problema é mais que o rol de receitas, essa despesa está fora do teto, não?

Mas a lógica é a seguinte: tem uma série de receitas que são extraordinárias. Por exemplo, uma privatização. Se consigo fazer uma privatização, algo que o governo tem dificuldade enorme de conseguir, e dou um ganho extraordinário para a sociedade, isso é um problema consideravelmente menor, mesmo do ponto de vista da lógica do teto. A lógica do teto é diminuir o tamanho do Estado, é deixar que a inflação cresça e as despesas não cresçam tanto e, com isso, não tem crescimento real da despesa. Aí se eu diminuo o Estado em algo que seja 100% e dou 20% para a sociedade presente, até como maneira de incentivar a desestatização, estou diminuindo o tamanho do Estado. Vinte por cento foi para a sociedade e 80% foi para diminuição do Estado. Não é compatível com a ideia geral de teto? Por isso que eu disse, se isso for feito, tem que ser restrito às receitas que diminuam o Estado.

O problema, então, está só na receita e não em ter um dividendo fora do teto?

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Uma questão é ter um incentivo para desestatização e outra é ter uma fonte para a criação de despesas permanentes. A população mais pobre ter um bônus decorrente da desestatização é uma coisa. Mas a venda de ativos como sustentação de um programa de renda é algo totalmente diferente e que não concordamos. Se o desenho é capaz de dar um benefício para a sociedade ao mesmo tempo em que reduz o tamanho do Estado, não vejo grande problema, mas tem que estar estritamente vinculado à redução do tamanho do Estado.

A PEC para parcelar precatórios já gerou muito polêmica. Por que o governo resolveu incluir a criação do fundo, que não tem efeito imediato? É uma isca para tirar o mais complexo e depois aprovar a PEC?

Não. Há um claro viés de conseguir promover uma desestatização. Desfazer parte desse parcelamento com recurso da desestatização pode ser um incentivo para o Congresso apoiar a medida. Pode suavizar o efeito dessa programação de pagamento.

O sr. disse que discutir uso de receita de desestatização para bancar um dividendo social não feriria a lógica do teto. Não abre a guarda, por exemplo, para colocar no fundo despesas com obras de investimento?

Com o desenho que está lá, é um fundo para liquidação de dívidas.

Qual é o cenário se o Congresso aprovar a PEC e o STF, que já tomou duas decisões contrárias sobre esse mesmo tema, declarar a proposta inconstitucional? 

Essa conta de R$ 89 bilhões vai estar resolvida no dia 31 de agosto, quando o Orçamento vai para o Congresso com R$ 89 bilhões de precatórios, pagando tudo à vista, e com um espaço para o Bolsa Família de R$ 34,8 bilhões. Como isso poderia ser diferente? Se a PEC passasse numa velocidade alucinante que fosse possível fazer a correção da proposta orçamentária. Como parece improvável que tenhamos uma PEC aprovada para ser incorporada ao Orçamento, ele vai com R$ 89 bilhões de precatórios e o Bolsa Família de R$34,8 bilhões. Mas que fique claro, a PEC não é a mesma coisa que o Supremo declarou inconstitucional. Há tratamentos diferenciados.

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O que essa PEC tem de diferente?

O que está sendo proposto agora é que a União deposite em juízo o precatório de quem tiver dívidas com ela. O encontro de contas clássico é o ente me deve R$ 5 bilhões, eu tenho que pagar um precatório de R$ 7 bilhões e pago R$ 2 bilhões e assunto encerrado. Não é isso. Ele me deve R$ 5 bilhões e tenho precatórios de R$ 7 bilhões e eu deposito meu precatório em juízo até que a gente resolva a questão da dívida dele.

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