O centro não existe como ideologia, mas, sim, como resultado de um compromisso político. O centro nasce de um debate que explicita conflitos de interesses, buscando um meio do caminho viável numa democracia representativa. No caso do Brasil, o centro existe também como marca fundamental do fisiologismo político. O centro político brasileiro não é majoritariamente o resultado do compromisso, do debate, da barganha. Ele é a posição conveniente de políticos sem pauta que tomam o público pelo privado e expropriam a população.
Contrariando o STF e o foco no bem-estar social, na última segunda-feira, o Congresso optou por manter as emendas do relator na escuridão. Os presidentes das mesas do Legislativo, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, disseram que não seria possível esclarecer quem são os parlamentares que vão utilizar as emendas do relator. Isso contraria a análise de técnicos e, também, o bom senso. As emendas do relator não respeitam princípios básicos de transparência e equidade parlamentar. Por isso, foram suspensas pelo STF, que foi ignorado.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que “má-fé não pode ser presumida”, distorcendo o que está ocorrendo. Não se presume má-fé. Presume-se transparência.
O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Economia, Paulo Guedes, normalizam a distribuição das emendas do relator como se elas fossem apenas moeda de troca política. Como o Estadão mostra em várias reportagens, o problema não é a barganha política em si, mas a falta de transparência.
O próximo presidente do Brasil já terá de lidar com os militares acostumados à vida política. Agora, precisará pedir licença para o Centrão, que virou dono de um Orçamento ainda mais opaco. A ingerência e a fraqueza política do governo Bolsonaro deixarão marcas. O Centrão está ganhando mais espaço na gestão do Orçamento sem uma contrapartida de accountability. Isso consolida que grupo o grupo político com maior acesso ao Orçamento está sem projeto coletivo e com claros interesses privados sendo colocados acima dos públicos.
Ao que parece, vamos substituir o atual presidente por um mais capaz – o caso de qualquer um dos outros possíveis candidatos prováveis. Mas qual será o preço da governabilidade em termos orçamentários e de transparência política? A reconstrução do País necessariamente passará pela coletivização do Orçamento público, da construção de um verdadeiro centro político e do entendimento que exigir transparência do Orçamento público não é presunção de má-fé, mas o mínimo.
* PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK