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Psicologia coletiva

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Há mil anos que França e Inglaterra se encaram. Elas se olham, fascinadas. Elas se detestam (Guerra dos Cem Anos, epopeia de Napoleão, rivalidade colonial ao longo do século 19) e se amam. Mais do que tudo, cada uma dessas duas nações utiliza a outra para ver a própria imagem. A ideia que os ingleses fazem de si mesmos passa primeiro pelo espelho deformador que é a França. E os franceses esperam, para saber quem são, que os ingleses lhes tenham primeiro soprado a resposta. Agora surgiu uma oportunidade para rabiscar esse retrato, em parte duplo, desses dois países separados pelo Canal da Mancha. É a maneira como, com alguns dias de intervalo, a política de austeridade foi acolhida pelos povos da França e da Inglaterra. O plano do francês Nicolas Sarkozy é fraco, moderado, desajeitado e precário, A única medida um pouco pesada consiste em retardar a idade de aposentadoria em razão do prolongamento da duração da vida: os franceses precisarão completar 62 anos para ter direito ao repouso (hoje eles se aposentam aos 60 anos). Do outro lado da Mancha, a música é mais selvagem. O novo premiê, o conservador David Cameron, não amaciou. Ele jogou pesado: 500 mil empregos públicos serão suprimidos e a idade de aposentadoria, atualmente em 65 anos, será prolongada para 66 anos. O orçamento das alocações familiares será amputado em £ 20 bilhões (perto de US$ 28 bilhões). Assim, de um lado, na França, um pequeno expurgo quase açucarado. Do outro, na Inglaterra, um tornado. E qual foi a reação dos dois povos? Em Paris, o plano de austeridade lançou às ruas durante quase dois meses até 3 milhões de pessoas ululantes e vermelhas de ódio. Na Inglaterra, o programa implacável de Cameron causou um desfile de 3 mil pessoas. Esses 3 mil manifestantes tinham um ar ligeiramente descontente. Como explicar essas diferenças? Resignação estoica dos britânicos e imprecações bíblicas do povo francês? Pode-se recorrer às lições da "psicologia coletiva". Os franceses sempre foram assim, agressivos, "montados" em seus direitos, ávidos de revolução permanente, enquanto os ingleses são fleumáticos, bem educados, frios e distantes, duros ante no infortúnio. Há alguma verdade nisso. Ao mesmo tempo, a psicologia dos povos é uma ciência pouco exata na qual cada um fala o que quer e, sobretudo, banalidades. Haverá explicações mais precisas? Alguns invocam Margaret Thatcher, a ex-primeira-ministra inflexível que desafiou os sindicatos britânicos de 1979 a 1990, num combate sem tréguas que conseguiu quebrar o sonho da "sociedade solidária" dos socialistas enquanto anulava sindicatos e resistências operárias. Após 15 ou 20 anos, a figura imponente e feroz da sra. Thatcher continuaria formando o "inconsciente" dos ingleses e a esmagando no berço qualquer grande protesto social. E a França? A virulência da recusa francesa se explica, é certo, por uma tradição revolucionária muito antiga que ruge neste país desde a Idade Média e explode de tempos em tempos (julho de 1789, 1830, 1848, 1871, maio de 1968, etc.), mas a essa tradição somou-se uma rejeição visceral, massiva, raivosa, a um só tempo compreensível e exagerada, da pessoa de Nicolas Sarkozy. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK É CORRESPONDENTE EM PARIS

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