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Qual é o inimigo principal?

Por Carlos Alberto Sardenberg
Atualização:

Eis as tensões que afligem a economia mundial e, pois, as bolsas e os mercados financeiros: há inflação no mundo, que vem de um período de forte aquecimento do consumo, o que exigiria dos bancos centrais a alta dos juros e política monetária apertada; mas há uma crise global do crédito, uma ameaça ao sistema financeiro, o que exige dos bancos centrais a redução dos juros e a concessão de montanhas de empréstimos aos bancos. A questão é: como se resolverá o dilema? A inflação no mundo é puxada pelo preço de alimentos e de energia. No caso de alimentos, preços sempre dependem de fatores conjunturais - choveu, não choveu na hora certa, clima bom, clima ruim nos principais países produtores -, mas isso acaba se ajeitando. Sobe hoje, cai amanhã. O problema atual é que se nota uma tendência de alta firme no preço da comida, em conseqüência do forte aumento da demanda nos países emergentes, especialmente na Ásia e, mais especialmente ainda, na China e na Índia. Há 20 anos, por exemplo, a China consumia 20 quilos de carne per capita/ano. Hoje são 50 quilos. Considere-se que é preciso produzir cada vez mais grãos para alimentar os rebanhos. E assim vai. É da vida. Os países crescem, a população ganha renda e... come mais. Mais demanda, oferta ainda atrasada, sobem os preços. Como quase tudo na economia tem verso e reverso, há aí uma boa notícia para os países produtores, Brasil incluidíssimo. Há um poderoso estímulo para aumento da produção, e assim funcionam as coisas. Pelo manual, a produção aumenta e os preços caem. Mas é difícil imaginar quando, pois a demanda cresce de maneira muito forte e consistente. E a produção agrícola tem enfrentado restrições ambientais pelo mundo afora. Ou seja, por enquanto, ao menos, a tendência é de alimentos caros. Acontece algo parecido com energia. Países ganham renda, passam a consumir mais energia, de todos os tipos, de gasolina para os carros a óleo para o ar-condicionado. E o próprio crescimento acelerado da produção requer energia. Neste caso, é ainda mais complicado para a produção alcançar a demanda. Por exemplo: é claro que vale a pena procurar petróleo mesmo em águas profundas e caras. Mas isso não se faz do dia para a noite. Idem para a construção de hidrelétricas ou usinas nucleares. E também há restrições ambientais para a instalação de todos os tipos de usinas. A inflação nos Estados Unidos está rodando um pouco acima dos 4% ao ano. Isso nos índices cheios, preços ao consumidor. Retirados os preços de alimentos e energia, a inflação cai para cerca de 2% - ou 2,2%, conforme um índice de gastos do consumidor, especialmente observado pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, divulgado na última sexta-feira. O Fed olha para o núcleo, pois comida e energia são muito voláteis, diz o ensinamento tradicional. De fato, esses preços continuam sendo voláteis, mas em patamares cada vez mais elevados e freqüentes. Também há inflação alta na Zona do Euro - 3% anuais, um ponto acima da meta -, na China (7%!), na Rússia (10,8%), na Índia (6,5%), sem contar a América Latina, onde só Brasil e México têm inflação abaixo dos 5%. De modo muito interessante, Brasil e México são também os países de menor crescimento na América Latina. Mais um sinal de que esses problemas de inflação são conseqüência da expansão econômica muito forte pelo mundo afora. Bons problemas, digamos assim. Se fosse só isso, e aqui começa o dilema, bastaria que os bancos centrais elevassem os juros e, assim, segurassem o ritmo de crescimento e, pois, dos preços. Mas aí tem a crise do crédito. Há um ambiente desconfiança no sistema financeiro - há créditos podres e investimentos perdidos, mas ainda não se sabe a extensão e a profundidade do buraco, nem quais bancos estão dentro dele. Na dúvida, investidores não emprestam a bancos e estes não emprestam entre si nem aos clientes, dado o temor de que o freguês esteja quebrado. Conseqüência: crédito escasso (crise de liquidez) e juros mais altos e, se continuar assim, recessão, pois a economia não anda sem capital e crédito. Nesse ambiente, os bancos centrais deveriam reduzir os juros e dar dinheiro ao mercado (emprestar mais aos bancos). É o que fizeram, é o que estão fazendo. Mas não estariam pondo fogo na inflação? O medo: no esforço contraditório de combater ao mesmo tempo a inflação e a recessão, o mundo pode cair na pior combinação possível, a estagflação, estagnação com inflação. A esperança: se os remédios funcionarem a tempo, o mundo sofre uma desaceleração nos próximos meses, com preços contidos. Cresce menos, mas também com menos inflação. A crise do crédito começou nos Estados Unidos, no setor imobiliário, mas tudo o resto está espalhado pelo mundo. Globalização funciona para os dois lados. Quando o mundo cresce, todos vão. Quando dá problema, todos apanham. No momento, a prioridade dos bancos centrais é debelar a crise do sistema financeiro, considerada a ameaça maior. Têm conseguido fazer isso com um mínimo de danos para a inflação. Mas muitos analistas entendem que, se tiverem de fazer uma escolha radical, ou atacar a crise financeira ou atacar a inflação, os bancos centrais vão continuar combatendo a crise dos bancos, deixando a inflação escapar um pouco. Assim, só depois de debelada a crise financeira, os bancos centrais voltariam as baterias contra a inflação, já então exigindo juros mais altos e, pois, bem menos crescimento econômico. Como se vê, depois de cinco anos magníficos, o mundo entra em 2008 com inquietações que há tempos não apareciam. *Carlos Alberto Sardenberg é jornalista Site: www.sardenberg.com.br

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