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Quando as marcas decidem ir para a rua

Empresas apostam em ações de marketing com intuito de transformar posicionamento em propósito

Por Nayara Fraga
Atualização:

Na zona leste de São Paulo, o coletivo Venga-Venga - um dos vários movimentos culturais e sociais de São Paulo que pretendem mobilizar e transformar suas comunidades - está neste momento engajado em um projeto que mistura batalha de passinhos (disputa característica do funk), música cigana e dança de rua. Em outro extremo da cidade, na zona norte, o coletivo Bijari se aprofunda no mundo carnavalesco para criar um carro alegórico. As duas iniciativas fazem parte de ação de uma marca de bebida e ilustram uma das práticas cada vez mais usadas pelas empresas em suas estratégias de marketing: a de estar nas ruas.

Sem estampar sua marca nos locais de encontro dos coletivos, a Absolut afirma que está reunindo esses grupos com o objetivo de estimular a transformação urbana. A ideia nasceu depois de a marca pesquisar a forma como o morador de São Paulo encara a cidade - um lugar contraditório, multifacetado, com poucos pontos de encontro e muitas barreiras físicas e culturais, como revelado por pesquisa da consultoria Talk Inc. 

Coletivo Venga Venga faz parte da ação de marca da vodka Absolut Foto: Marcelo Mattina/Divulgação

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No ano passado, a Kibon realizou no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, uma exposição chamada Deu na Telha em que lonas pintadas por artistas com a comunidade foram expostas nos telhados das casas. Já a Tintas Coral convidou o grafiteiro Nove para pintar uma empena cega na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, uma das regiões mais movimentadas de São Paulo. Em ambos os casos, a logomarca também não apareceu nas intervenções.

As motivações por trás desse tipo de iniciativa têm duas raízes, segundo a coordenadora do master em marketing da ESPM, Daniela Khauaja. A primeira tem a ver com o fato de as mídias estarem cada vez mais fragmentadas, o que faz a atenção do consumidor se dispersar por vários meios. “Antes, a marca se fazia presente de uma maneira muito eficiente no comercial da novela das oito. Agora, com a fragmentação, não é simples alcançar seu público.”

A segunda razão para que as intervenções urbanas ganhem força, na avaliação da professora, tem relação com a necessidade recente das marcas de ter um propósito (papel na sociedade) além de um posicionamento (quem são e para quem vendem). “A percepção de que cuidar do mundo é um dever de todos está crescendo”, diz Daniela.

Um dos precursores dessa filosofia no Brasil é o Itaú. Em 2012, o banco passou a oferecer bicicletas para os moradores de São Paulo - projeto que a empresa depois adotou em outras cidades e que inspirou o Bradesco a fazer o mesmo. Permitir a mobilidade e o lazer em um transporte “verde” pegou bem.

No segmento de bebidas, a noção de tratar bem a cidade também cresce. O energético Red Bull recuperou um prédio de uma subestação de energia dos anos 20, no centro de São Paulo, e transformou o local em um espaço cultural em 2013. Já a Heineken revitalizou o Beco das Garrafas, o berço da bossa nova no Rio de Janeiro, em 2014.

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A ação da empresa holandesa segue a linha de proporcionar ao consumidor uma experiência diferente na cidade aliada a uma boa história. Foi o caso da festa no topo do histórico Edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo, e da festa no cemitério de trens, na Mooca, promovida pela Desperado, bebida que mistura cerveja e tequila de propriedade da Heineken.

“Em um contexto em que o consumidor é bombardeado de informações por todos os meios possíveis, essa é uma forma de ficar mais próximo e ganhar espaço no repertório dele”, diz a vice-presidente de marketing da Heineken, Daniela Cachich.

Momento. Outro fator que pode ter contribuído para a criação dessas iniciativas é a Lei da Cidade Limpa, que desde 2007 veta os outdoors na cidade de São Paulo. “Aparecer no cenário urbano hoje não pode se dar de forma gratuita, tem de haver uma troca”, diz o vice-presidente de criação da agência de publicidade DPZ, Rafael Urenha.

Para ele, as intervenções urbanas crescem porque existe uma tendência de transformar discursos em ações, “o que invariavelmente te leva para a rua”.

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